SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O jornalista e empresário paraibano Assis Chateaubriand (1892-1968), conhecido como Chatô, foi uma figura controversa. Se deixou obras fundamentais, como a criação da revista Cruzeiro, a fundação do Museu de Arte de São Paulo, o Masp, com seu acervo inestimável, e também a fundação da Tupi, a primeira emissora de TV do Brasil, ele também tomava certas decisões inescrupulosas, como chantagear milionários para conseguir doações que financiassem seus projetos mais ambiciosos.

“Foi um homem obstinado e marcado por muitas contradições”, comenta o ator Stepan Nercessian que vive Chateaubriand em “Chatô & os Diários Associados – 100 Anos de Paixão”, musical que estreou no Teatro Liberdade, em São Paulo, depois de passar pelo Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília. “Prefiro não julgá-lo pois, se atropelava quem se colocasse no seu caminho, ele tinha uma visão futurista. Certamente estaria usando e abusando da inteligência artificial se estivesse vivo.”

Com direção geral de Tadeu Aguiar, o espetáculo é centrado em um dos grandes feitos do empresário, a criação dos Diários Associados, em 1924, que logo se tornou no maior conglomerado de mídia da América Latina –em seu auge, contou com mais de cem jornais, emissoras de rádio e TV, revistas e agência telegráfica.

“Foi uma época em que o jornalismo determinava a visão da sociedade”, comenta o ator Cláudio Lins, que vive um personagem fictício, Fabiano, um jornalista desempregado que presencia nos dias atuais o furto da caneta da estátua de Chatô, durante o carnaval de Recife. Quando ele tenta resgatar o objeto, a escultura ganha vida e o convida a revisitar momentos decisivos da mídia nacional.

O roteiro da peça, que mescla realidade e ficção, foi escrito por Eduardo Bakr e Fernando Morais, cuja biografia “Chatô – O Rei do Brasil” (Companhia das Letras) foi a base para a dramaturgia. Gago, mulherengo, amante da arte e da aviação, senador, embaixador, empresário e comunicador, Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo foi um homem determinado, dono de uma irresistível sedução mesclada com uma profunda amoralidade.

“Equilibramos essa balança ao mostrar que ele não era apenas um chantagista, mas também um empresário apaixonado pelo Brasil e um ainda homem divertido”, afirma Aguiar, que escalou um elenco não necessariamente especialista em musicais para interpretar personalidades marcantes, como Carmen Miranda, que foi contratada para a Rádio Tupi com o então maior salário do Brasil, e Dorival Caymmi que, com o apoio do empresário, que considerava sua voz “telúrica”, teve suas músicas tocadas em programas de rádio e televisão, alcançando grande público e reconhecimento nacional.

Sem ser subserviente à elite, a ponto de debochar dos ricos que tratavam mal os nordestinos, Chateaubriand tem sua história e a dos Diários Associados contada por meio de uma trilha sonora composta por sucessos de nomes como Caetano Veloso, Gal Costa e Ivan Lins, sob a supervisão de Guto Graça Mello. “Estou me especializando em fazer musicais, mesmo sem cantar ou dançar”, conta Nercessian, cujo maior desafio foi decorar a grande quantidade de texto. “Chateaubriand tinha boa oratória, mas falava muito.”

Duas figuras femininas ganham destaque na história, como Juliana (Aline Serra), jornalista que é o grande amor de Fabiano e cujo relacionamento traz conflitos pessoais e profissionais que refletem os desafios do jornalismo contemporâneo. Também Dona Janete (Sylvia Massari), a poderosa secretária de Chatô, guardiã de inúmeros segredos. “Como Chatô esteve envolvido nos principais acontecimentos brasileiros da primeira metade do século 20, ela testemunhou vários bastidores”, comenta Massari.

Ao longo da vida, Assis Chateaubriand foi muito comparado a Cidadão Kane, protagonista do filme de Orson Welles inspirado em outro magnata da comunicação, o americano William Randolph Hearst. Essa visão é contestada por Fernando Morais em sua biografia. Segundo ele, o império midiático de Chatô foi quase três vezes maior que o de Hearst, além da maior amplitude de seu poder político, uma vez que o paraibano agia livre de qualquer limite imposto por instituições democráticas organizadas. Sua volubilidade política, aliás, o levou a pegar em armas na Revolução de 30, além de manter relações instáveis com diversos governantes, sobretudo Getúlio Vargas.

“Como se trata de uma história pessoal muito vasta, nós privilegiamos um recorte que mostra seu papel na construção da comunicação no Brasil”, conta Tadeu Aguiar, que convidou Carlinhos de Jesus, em sua primeira criação em musical, para elaborar as coreografias.

Chatô & os Diários Associados – 100 Anos de Paixão

Quando: Sexta às 20h00, Sábado às 16h00 e 20h30, Domingo às 18h

Onde: Teatro Liberdade – Rua São Joaquim, 129, Liberdade

Preço: de R$ 25 a R$ 250

Direção: Tadeu Aguiar