RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Na entrada do Noel Rosa, túnel na zona norte do Rio de Janeiro que liga os bairros do Riachuelo e Vila Isabel, uma blitz da Polícia Militar é montada diariamente, patrulhando carros e motos que atravessam.

Tem sido uma região tensa desde que o Comando Vermelho iniciou uma empreitada para tomar definitivamente o morro dos Macacos, em Vila Isabel, que era dominado havia mais de uma década pelo Terceiro Comando Puro, facção rival.

A PM diz que intensificou o policiamento após os registros de confrontos, frequentes há pelo menos seis meses. Os tiroteios tiveram auge em maio e junho e diminuíram em julho.

A principal investida vem do São João, que fica na mesma cadeia de morros, mas do outro lado do túnel, no Engenho Novo.

O morro dos Macacos, antes dominado pelo TCP e agora em disputa, é cercado por comunidades já dominadas pelo CV.

Policiais em patrulha têm encontrado grupos de traficantes armados, os chamados “bondes”, atravessando as comunidades. Em dezembro, um efetivo da PM viu 50 suspeitos do CV caminhando pelos Macacos. Eles tentaram fugir para o São João, foram cercados na mata e trocaram tiros.

O bonde se dividiu e tentou deixar o morro São João por diferentes saídas, mas um dos grupos foi cercado. Sete suspeitos foram presos. Em boletim de ocorrência, policiais afirmaram que os traficantes fizeram uma transmissão ao vivo antes da prisão, “em tom de desespero”.

O Instituto Fogo Cruzado, que contabiliza e notifica tiroteios em regiões metropolitanas do país, calcula que Vila Isabel teve 27 tiroteios em maio, com três mortos e cinco feridos. Foi o bairro com mais tiroteios na cidade.

Em agosto do ano passado, cinco pessoas morreram baleadas numa madrugada de segunda-feira na praça Barão de Drummond, a mais movimentada.

O episódio fora um ataque do CV a um traficante do TCP que estava na praça –ele morreu no hospital. Os suspeitos passaram de carro e moto atirando. As demais quatro vítimas do ataque estavam na praça comendo e conversando.

Àquela altura, a disputa entre facções já havia abalado o mercado imobiliário local, segundo corretores que atuam na região. Sob reserva, eles afirmam que tem aumentado o número de imóveis à venda no bairro e relatam dificuldade de encontrar interessados.

Dados do Secovi-Rio (Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis) não fazem a relação direta com a violência, mas mostram que o valor do metro quadrado residencial em Vila Isabel tem desvalorizado desde 2023, com uma queda mais acentuada entre janeiro e agosto de 2024.

Em maio deste ano o valor médio do metro quadrado de venda residencial foi de R$ 5.297, levemente abaixo da média até 2024 (R$ 5.500).

“Esse problema afeta o bairro, reflete no comércio e no valor dos imóveis. Mas a gente sabe que isso é passageiro”, diz Jorge Artur, o Artur das Ferragens, compositor da Unidos de Vila Isabel e presidente da Via Associados, uma das associações de moradores.

A fase assusta moradores, acostumados a ter Vila Isabel como um estandarte de um Rio que dorme tarde, com seus bares ao longo do Boulevard 28 de Setembro, a via principal. Noel Rosa, noturnal maior do lugar, tem uma estátua na entrada de Vila Isabel. Sentado à mesa, é servido por um garçom.

Nos versos menos famosos de “Feitiço da Vila”, Noel diz que a Vila é a “zona mais tranquila”, gabando-se que “não há cadeado no portão”, porque no bairro não tem ladrão.

No remake da novela “Vale Tudo”, da TV Globo, Vila Isabel é o núcleo onde a protagonista Raquel (Taís Araujo) conhece Poliana (Matheus Nachtergaele) e cria seu principal vínculo de amizade. É retratado como um bairro de classe média, com muitos bares. O Catete, na zona sul, foi o cenário desta parte da trama na versão original.

“Temos o desafio de restaurar o orgulho e a alegria de morar em Vila Isabel. Vamos precisar de política pública, de boa vontade da população e criatividade do comércio”, afirma Mônica Lahmann, presidente da Viga (Vila Isabel, Grajaú e Andaraí), outra associação representante do bairro.

A classe média de Vila Isabel é formada por funcionários públicos, muitos aposentados. “O bairro empobreceu um pouco também, desde a última grande crise financeira do Rio”, diz Mônica.

A Vila está na Grande Tijuca, região de classe média da zona norte do Rio, e não compõe o chamado subúrbio, mas é o último bairro antes dele -é passagem para Méier e Engenho Novo.

A conexão entre Engenho Novo e Vila Isabel fazia parte da Linha Verde, via expressa que ligaria a rodovia Presidente Dutra à Gávea, prevista em um plano de urbanização do Rio da década de 1960, mas nunca concretizada -as linhas Amarela e Vermelha, do mesmo projeto, foram criadas.

O fato de ser passagem entre a Grande Tijuca e o subúrbio torna o Macacos visado pelo CV, segundo policiais.

Em nota, a PM disse que reforçou o patrulhamento nos acessos e interior dos Macacos e São João, principais envolvidos na disputa.

O medo dos moradores chega por meio dos telefones celulares, em grupos que anunciam supostos toques de recolher determinados pelo tráfico e nunca confirmados pela polícia. Comerciantes que não quiseram se identificar relatam que parte dos bares e restaurantes tem fechado mais cedo.

Um deles afirma que mantinha o bar aberto até as 23h de segunda a quinta-feira, mas tem evitado passar das 21h. O medo, ele diz, é que a disputa que acontece nas comunidades se estenda pelas ruas do bairro.

“As pessoas são bombardeadas pela mídia. O papo nas cafeterias, nos bares é sobre violência. As pessoas vão ficando recuadas, entristecidas. E há também o envelhecimento da população. Os idosos que eram engajados em trazer alegria vão falecendo”, diz Mônica.

Há resistência, contudo. “Tenho um grupo de amigas mulheres, batizado de ‘malandras’, e gostamos de curtir a noite no bairro. Ficamos até de madrugada conversando nos bares, cantando no karaokê”, diz Mônica.

Entre as ruas Torres Homem e Visconde de Abaeté, um circuito de bares foi batizado de “Quadrilátero do Álcool” e se tornou farol da vida noturna local, com apresentação de grupos de samba e bares abertos até madrugada.

“O Quadrilátero está lotado, a escola de samba fica no coração do bairro e os ensaios, quando acontecem, lotam a 28 de Setembro. O bairro ainda tem seu charme”, afirma Artur das Ferragens.