SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Segunda Guerra Mundial só chegou ao fim, em 1945, após os Estados Unidos lançarem duas bombas atômicas nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, no Japão, matando mais de 100 mil pessoas apenas com as explosões, fora as milhares que perderam as vidas nos anos seguintes devido à radiação.

Novidade na época, as bombas mostraram o poder de uma tecnologia que fora testada pela primeira vez menos de um mês antes, no deserto do Novo México. Na próxima quarta (16), completam-se 80 anos deste teste, conhecido como Trinity.

Aquela tecnologia de destruição baseou-se na fissão nuclear, ou divisão dos núcleos de átomos, que havia sido descoberta apenas sete anos antes pelos cientistas alemães Otto Hahn e Fritz Strassmann, juntamente com Lise Meitner e Otto Frisch.

O Projeto Manhattan, que uniu grande parte das mentes científicas mais brilhantes da época, muitos deles fugidos do nazismo no início da Segunda Guerra Mundial, comprovou na prática com o teste Trinity o que Albert Einstein já havia previsto em sua fórmula mais conhecida: E=mc2. Basicamente, que massa se transforma em energia. E a fissão nuclear é o principal exemplo disso.

A radiação já estava sendo estudada havia muitos anos, mostrando que existiam elementos químicos com núcleos tão instáveis que podiam se dividir espontaneamente em dois elementos mais leves, liberando no processo partículas em forma de energia: alfa (núcleos de hélio), beta (elétrons ou pósitrons) e raios gama (partículas de luz, ou fótons).

Esse processo é conhecido como decaimento radioativo, uma forma de tornar o elemento original mais estável. É assim que alguns detectores de fumaça funcionam: eles usam a corrente elétrica criada por partículas alfa emitidas pelo elemento amerício-241. Se partículas de fumaça interrompem a corrente, o alarme dispara.

O modelo atômico foi completado em 1932, quando o físico inglês James Chadwick comprovou a existência dos nêutrons, partículas sem carga que se unem aos prótons nos núcleos atômicos pela energia de atração nuclear.

“Quando você quebra um núcleo, obtém fragmentos com energia. Consequentemente, ganha-se muita energia, que é formada na energia cinética, de movimento das partes que se fragmentaram. Isso é o que faz a situação de explosão”, diz Sérgio Duarte, pesquisador do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas) e do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

No ano seguinte, o húngaro Leo Szilard descobriu que poderia usar um nêutron para liberar energia do núcleo, criando a possibilidade da reação em cadeia.

Após Albert Einstein e outros cientistas alertarem o então presidente Franklin D. Roosevelt sobre o potencial da nova descoberta para armas atômicas, surgiu o Projeto Manhattan. Liderado pelo físico Julius Robert Oppenheimer, o projeto centrou esforços na utilização do urânio-235 e do plutônio-239, os dois elementos com núcleos mais físseis, instáveis e facilmente quebráveis, na construção das bombas atômicas.

No entanto, o urânio-235 não é comum, representando apenas 0,72% do urânio encontrado na natureza. Assim, para produzi-lo, é preciso fazer o enriquecimento em reatores nucleares do urânio-238, o mais comum. Já o plutônio-239 não existe naturalmente e é produzido a partir do urânio-238 também em reatores.

O físico japonês Takeshi Kodama, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e pesquisador do CNPq, explica que esses núcleos são muito pesados e instáveis por possuírem um número maior de nêutrons que de prótons. Assim, quando mais um nêutron é incluído, o núcleo se desestabiliza ainda mais, provocando a fissão nuclear.

“Quando está no limite da quebra, o núcleo se divide e emite três ou quatro nêutrons. Quando tiverem vizinhos, esses nêutrons provocam quebras nos vizinhos. Esse processo tem uma energia muito grande”, afirma Kodama, destacando que nem todos os átomos entram na reação em cadeia.

No teste Trinity, por exemplo, que teve uma explosão equivalente a 20 toneladas de TNT, estima-se que apenas 1,7% dos 6,1 kg de plutônio utilizados entrou na reação em cadeia.

Da fissão à fusão nuclear

Depois das duas bombas atômicas jogadas no Japão, outras nações também passaram a desenvolver a tecnologia, dando início à corrida armamentista nuclear durante o que ficou conhecida como Guerra Fria. Nos anos seguintes, dezenas de testes de bombas foram realizados, cada um mais potente que o outro.

Como o intuito era mostrar o poder de destruição para intimidar os inimigos, as nações, principalmente EUA e União Soviética, também testaram bombas de fusão. Ao contrário da fissão, a fusão nuclear se baseia na união de dois átomos leves, como hidrogênio, para ter como resultado outro átomo mais pesado (hélio). Esse processo libera muito mais energia que a fissão, aumentando exponencialmente seu poder.

Entretanto, o processo de fusão requer temperaturas e pressões extremamente altas, o que seria impossível conseguir de forma natural, uma vez que apenas as estrelas, com sua alta temperatura e pressão esmagadora, tornam isso possível.

Para resolver esse problema, os cientistas criaram um sistema em que primeiro uma bomba de fissão nuclear explode e sua energia, por sua vez, detona a bomba de fusão. Desde 1952, estima-se que cerca de 215 bombas de hidrogênio foram detonadas no mundo.

A maior delas foi a Tsar, da União Soviética, em 1961. De acordo com o Museu Nuclear, a explosão de 50 megatons (50 milhões de toneladas de TNT) foi equivalente a 3.800 bombas de Hiroshima detonadas ao mesmo tempo.

A partir de então, os países começaram a questionar os limites dos testes nucleares e assinaram em 1963 o tratado de Proibição Parcial de Testes Nucleares, que proibia testes nucleares na atmosfera, no espaço sideral e debaixo d’água, mas permitia testes subterrâneos. A França, porém, continuou os testes atmosféricos até 1974, enquanto a China prosseguiu até 1980.

O lado positivo da energia nuclear

Com o tratado assinado, os cientistas começaram a pesquisar novas possibilidades para a energia nuclear e desenvolveram reatores para uso na produção de energia e, principalmente, na medicina.

Hoje em dia, a medicina nuclear atua em diversas áreas, como cardiologia, oncologia, hematologia e neurologia, tanto no diagnóstico quanto no tratamento de diversas doenças.

“Passamos a conhecer melhor a dinâmica do núcleo atômico na interação com a matéria. Então, usamos os feixes radioativos para bombardear os tumores cancerígenos, por exemplo. Hoje você tem reatores que produzem também marcadores para fazer radiografias, imagens de todo o organismo humano, por intermédio da radiação. É claro, uma radiação terapêutica, muito menor que a usada em usinas ou bombas”, afirma Sérgio Duarte.