BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O sistema carcerário brasileiro alcançou em 2024 o maior índice de ocupação laboral, com 25,4% dos presos trabalhando. O número, entretanto, ainda está longe da meta prevista no Plano Nacional Pena Justa, que prevê chegar a 50% até 2027.
Há falta de vagas para os presos, o que é motivado por infraestrutura inadequada nas unidades, desorganização dos estabelecimentos e até barreiras culturais, segundo secretários ouvidos pela Folha
A garantia de trabalho aos presos é considerada estratégica para melhorar a reinserção no mercado formal e reduzir a chance de reincidência, embora não haja dados consolidados sobre esse efeito.
Os dados da Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais), do Ministério da Justiça, mostram desigualdades regionais. Enquanto o Maranhão lidera com 80% da população carcerária ocupada com trabalho, outros estados apresentam índices baixos, como o Rio Grande do Norte, com 6%, e o Rio de Janeiro, com 3%.
Atualmente, 170.415 pessoas presas em celas físicas (classificação que abriga presos em regime fechado e semiaberto) exercem algum tipo de trabalho no país de um total de 670.265 internos. Entre os que trabalham, 158.211 são homens e 12.204, mulheres. O levantamento não inclui pessoas em prisão domiciliar, com ou sem monitoramento eletrônico.
O Plano Nacional Pena Justa, coordenado pela Senappen em parceria com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), prevê que 50% dos presos em celas físicas estejam trabalhando até 2027. A iniciativa atende a uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal). Os dados atuais mostram que há grande desafio para o alcance da meta do Pena Justa.
O diretor de Políticas Penitenciárias da Secretaria Nacional de Políticas Penais, Sandro Abel Barradas, diz que o Pena Justa pode ser decisivo para a expansão dessa política. Por se tratar de uma decisão judicial de validade nacional, a ampliação dessas oportunidades deixa de ser opcional e independe de convencimento dos estados.
Uma das estratégias da secretaria é a aquisição direta de equipamentos, iniciada em 2023, com entregas previstas ainda para este ano –substituindo o modelo de só fazer repasses de dinheiro. Foram montados kits de maquinário para enviar aos estados, como oficinas de blocos, marcenaria, serralheria, malharia e produção de absorventes e fraldas.
“É a primeira vez que realizamos esse tipo de aquisição direta, somando cerca de R$ 60 milhões em maquinários e insumos. Espera-se que isso provoque um novo ‘boom’ na implementação do trabalho no sistema prisional”, afirmou.
O presidente do Consej (Conselho Nacional de Secretários de Estado da Justiça, Cidadania, Direitos Humanos e Administração Penitenciária), Rafael Pacheco, destaca que a oferta de trabalho nas prisões está diretamente ligada à organização do sistema prisional.
“Quando o Estado exerce controle sobre o presídio e assegura a disciplina, torna-se possível implementar programas de educação, trabalho e ressocialização. Mas, se o sistema é problemático, como oferecer trabalho sem antes colocar ordem na casa?”, questiona Pacheco, secretário de Estado da Justiça do Espírito Santo.
Ele ressalta que, hoje, todos os estados debatem essa questão e buscam aprimorar as condições do sistema prisional. Na avaliação de Pacheco, houve uma mudança de paradigma e, atualmente, há um entendimento de que os presídios não podem mais ser encarados apenas como local de confinamento.
A Lei de Execução Penal permite que o preso reduza a pena por meio do trabalho –a cada 3 dias trabalhados, 1 é abatido da pena. A atividade é remunerada com pagamento mínimo de três quartos do salário mínimo e dá acesso a benefícios previdenciários como aposentadoria e auxílio-reclusão.
O secretário de Administração Penitenciária do Maranhão, Murilo Andrade de Oliveira, afirma que o estado alcançou 79,84% de presos trabalhando após uma reestruturação do sistema, com foco no trabalho.
O Complexo de Pedrinhas, que ficou marcado por um dos piores massacres do sistema prisional brasileiro (64 mortos entre 2013 e 2014), passou por investimentos em infraestrutura, compra de equipamentos e reorganização das rotinas de segurança e atendimento aos presos.
Os detentos atuam na fabricação de blocos, móveis, uniformes, digitalização de processos, piscicultura e produção de alimentos para o governo estadual e prefeituras. No interior, onde há mais falta de vagas, 200 presos já trabalham com limpeza urbana para prefeituras.
Oliveira afirma que há resistência do setor privado, mas diz que algumas empresas já preferem os detentos, por avaliarem haver um bom desempenho no trabalho. Para os empregadores, há isenção de encargos como Fundo de Garantia, 13º salário, férias e multa rescisória. Também é possível economizar com infraestrutura.
“Colocamos o trabalho como prioridade, inclusive como forma de apoiar políticas públicas do governo. O sistema prisional precisa ser visto como parte da solução, não como o problema”, afirma o secretário.
O detento José Leandro Sousa Barbosa, 40, cumpre pena desde 2011 no Maranhão, condenado por crimes graves, como latrocínio, roubo e homicídio. Ele trabalha desde 2018 e vê na atividade uma nova perspectiva de vida.
“O trabalho já está me ajudando porque minha família se aproximou de mim e está me dando uma nova perspectiva de vida”, disse ele à Folha.
Ele já passou por diferentes setores, como a fábrica de blocos, limpeza e conservação, e hoje atua na Fábrica de Móveis.
A jornada de trabalho dele vai das 8h às 17h, com direito a um salário mínimo por mês. Com o que recebe, José Leandro diz ajudar a família e paga a faculdade de teologia –ele pretende se tornar pastor.
Além do Maranhão, outros estados registram índices superiores a 50% de presos em celas físicas trabalhando, como Rondônia (70%), Acre (67%), Sergipe (54%) e Ceará (53%).
Estados como Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro enfrentam desafios maiores. O Rio foi procurado, mas não respondeu.
A Secretaria de Administração Penitenciária do Rio Grande do Norte disse, em nota, que implementou, em 2024, uma comissão para individualizar as penas e promover a reintegração por meio do trabalho e educação.
Presos considerados aptos atuam em projetos como fabricação de terços, vassouras ecológicas, esquadrias e, em breve, roupas e pisos. O estado também diz ter criado o programa Rede Trabalho Decente, com cursos de padeiro, costureiro, eletricista, pedreiro e mecânico.