BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O novo presidente do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), Ricardo Saadi, assume o comando do órgão com foco no crime organizado e na reorganização da instituição e não planeja fazer uma “devassa” nas contas de políticos, nas palavras de pessoas próximas a ele.

Essa ordem de prioridades serviu para reduzir uma resistência a seu nome que retardou por quase seis meses sua confirmação para chefiar o conselho.

Delegado da Polícia Federal, Saadi foi indicado após queixas de políticos e ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) a respeito do risco de uma influência excessiva da PF sobre um órgão que tem informações sensíveis sobre movimentações bancárias de pessoas públicas.

Apoiadores da nomeação dizem que o delegado tem experiência em lavagem de dinheiro, investigação de organizações criminosas e combate à corrupção, o que aumentar a utilidade do órgão e a sinergia com a PF em investigações.

No passado, comunicações feitas pelo Coaf foram usadas em investigações importantes e ficaram no centro de polêmicas, como as apurações sobre um esquema de “rachadinha” no gabinete do hoje senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), posteriormente anuladas pela Justiça. A revelação de que a força-tarefa da Operação Lava Jato fazia pedidos informais de dados ao órgão também incomodou ministros do STF.

Saadi assume o Coaf num momento em que o governo Lula (PT) é cobrado a dar respostas na segurança pública, num cenário de infiltração do crime organizado em diversos setores da economia. O trabalho do órgão, na visão de alguns integrantes da gestão petista, poderia ser útil nesse tema.

Como a Folha mostrou, autoridades federais e estaduais investigam a infiltração do crime organizado em 941 postos de combustíveis localizados em ao menos 22 estados.

Atualmente, o Coaf está vinculado ao Banco Central, presidido desde janeiro por Gabriel Galípolo. O órgão é responsável por identificar e monitorar movimentações financeiras atípicas que possam estar ligadas a crimes como lavagem de dinheiro, corrupção, tráfico de drogas e financiamento ao terrorismo, entre outros.

Saadi tem no currículo passagem anterior pelo Coaf como conselheiro, de 2010 a 2017.

No Ministério da Justiça, ele coordenou o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça, além da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, que reúne órgãos e entidades dos três Poderes.

Saadi também chefiou a superintendência da PF no Rio de Janeiro e foi exonerado por pressão do então presidente da República, Jair Bolsonaro (PL).

Numa entrevista à Folha no mês passado, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) criticou a escolha dele para o Coaf, levantando questionamentos sobre a real intenção do diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, ao tentar colocar um nome da corporação no comando do órgão.

Flávio disse que o simples fato de querer indicar alguém para presidir o Coaf “já mostrava que há algo errado”. “Ele quer usar o órgão para agir fora da lei”, disse.

Políticos também criticaram o fato de um delegado federal comandar o órgão em substituição a Ricardo Liáo, servidor de carreira do Banco Central que também tinha ocupado outros cargos no Coaf.

Já a cúpula do Ministério da Justiça avaliou positivamente a indicação de Saadi, destacando um perfil técnico e a expectativa de que ele contribua para o fortalecimento no combate à lavagem de dinheiro praticada por organizações criminosas.

Uma das propostas em estudo pelo novo presidente do Coaf é a reestruturação do órgão, que hoje opera com cerca de cem servidores cedidos por outros órgãos e não conta com quadro nem estrutura próprios.

Ele também pretende fazer melhoras nas comunicações e na inteligência. Uma das propostas é aprimorar a tecnologia.

Saadi entra no órgão que teve, nos últimos anos, um aumento expressivo de informações remetidas a outros órgãos. As polícias civis, por exemplo, têm ampliado significativamente o acionamento ao Coaf em busca de informações financeiras que apoiem investigações criminais.

Em 2024, foram registrados 13.667 pedidos de acesso ao órgão por parte das polícias civis –mais que o dobro dos 6.375 feitos em 2021, o que representa um aumento de 114%. A maioria está relacionada a apurações sobre tráfico de drogas, fraudes, corrupção e atuação de facções criminosas, segundo dados do próprio Coaf.

A comunicação com os estados se dá por meio dos chamados intercâmbios, nos quais o órgão pode atuar de forma proativa, enviando relatórios, ou responder a requisições.

Esses intercâmbios podem ou não resultar na emissão de RIFs (Relatórios de Inteligência Financeira), que subsidiam investigações ao apontar movimentações bancárias consideradas atípicas.

Em 2024, o número de RIFs cresceu 16% em relação a 2023, passando de 16.482 para 19.080. Os estados com maior volume de solicitações foram São Paulo, Distrito Federal e Minas Gerais.

O STF já decidiu que o Coaf e a Receita Federal podem compartilhar informações sigilosas com órgãos de investigação criminal sem autorização judicial prévia.

Apesar disso, ainda há controvérsia sobre o caminho inverso -ou seja, se polícias e Ministérios Públicos podem solicitar diretamente os RIFs, sem aval da Justiça.