SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um programa de governo lançado há dez anos revolucionou setores de transporte, energia e tecnologia no Brasil. O plano em questão foi elaborado a mais de 16 mil quilômetros de distância de Brasília e batizado com o sugestivo nome de “Made in China 2025”.

Anunciado em 2015 pelo Conselho de Estado da China, sua execução foi o ponto de partida para mudanças radicais no comércio global, gerou reações de potências como EUA e países da Europa, e representou um ponto de inflexão na relevância de Pequim no mundo.

“O aumento da presença de produtos chineses de alta tecnologia no Brasil é uma manifestação direta do sucesso das diretrizes do MIC2025 (sigla usada para definir o programa)”, afirma Alexandre Ramos Coelho, professor de relações internacionais e geopolítica.

O plano desenhado pelo Partido Comunista Chinês definiu metas específicas para o país dominar dez setores estratégicos até 2025, incluindo veículos elétricos, robótica, biotecnologia, produção aeroespacial, circuitos integrados entre outros.

A presença de mais de uma dezena de marcas chinesas de carros elétricos no Brasil, de outras tantas de smartphones, de painéis fotovoltaicos e de eletrônicos são os exemplos mais visíveis no mercado local do efeito da mudança de patamar na indústria do gigante asiático.

“O consumidor brasileiro é um receptor dessa estratégia geoeconômica que articula poder estatal com competitividade tecnológica global”, diz Coelho.

O setor elétrico brasileiro foi um dos mais impactados pelo salto tecnológico da China, que avançou principalmente em energias renováveis, como previsto no plano divulgado em 2015.

O país virou hegemônico na produção de equipamentos solares fotovoltaicos, que são, desde 2023, a segunda maior fonte de energia no Brasil, responsável por 23% da capacidade de geração. Cerca de 90% dos equipamentos usados nessa captação são importados da China.

“O efeito no Brasil desse esforço governamental chinês foi que passamos a ter acesso a equipamentos de alta qualidade com custos mais baixos”, afirma Rodrigo Sauaia, presidente-executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica.

Segundo ele, isso barateou o preço da geração. O primeiro leilão federal que contratou energia solar, em 2014, previa US$ 100 por megawatt-hora. “Hoje está em US$ 30”, diz Sauaia.

Enquanto a indústria avançou na China, o Brasil cresceu como mercado de geração de energia solar, sendo atualmente o sexto em capacidade acumulada e o quarto que mais cresceu em 2024.

No mesmo ano, o mercado brasileiro foi o maior importador mundial de painéis chineses, tendência que se mantém. Só nos primeiro cinco meses de 2025 foram R$ 800 milhões em compras de painéis solares do país, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.

“Na transição energética, é difícil escapar dos produtos chineses”, relata Ricardo Kotz, pesquisador associado da City University Hong Kong. Ele cita levantamentos como o da International Energy Agency (IEA), que aponta que a China é responsável por 78% da produção global de painéis solares e por 65% de turbinas eólicas.

O domínio era uma meta do programa anunciado em 2015 que combinou coordenação centralizada, metas de longo prazo e mobilização nacional. O objetivo era posicionar a China como líder da quarta revolução industrial.

Para a consultora de empresas e mestre em economia política pela East China Normal University Thais Moretz o programa simboliza bem a relação entre o setor público e privado na China e a maneira como as metas são implementadas.

“O que eles colocam no papel vão implementar. É uma vergonha muito grande para um gestor público fazer um plano e não executar”, afirma.

Depois de 2015, quase 800 fundos estatais foram criados para apoiar os setores estratégicos, num montante que chegou a US$ 2,2 trilhões (R$ 12,4 trilhões) em 2017. Empresas privadas chinesas receberam financiamentos públicos, incentivos e competiram entre si.

Dessa corrida, surgiram dezenas de gigantes, casos da BYD (automóveis), Huawei (tecnologia e telecomunicações), CRRC (trens de alta velocidade) e Xiaomi (eletrônicos), todas protagonistas no mercado brasileiro.

A evolução incentivada pelo governo chinês incomodou os EUA. Um ano após o anúncio do Made in China 2025, Donald Trump ganhou a eleição pela primeira vez e mirou o programa já nos seus primeiros anos de mandato. Usou-o como justificativa para a imposição de tarifas.

O republicano classificou o MIC2025 como um insulto e disse que houve “uso do dinheiro do governo e roubo de tecnologia” para “dominar todas as indústrias avançadas”. Em 2019, postou no antigo Twitter que os chineses estavam abandonando o programa.

“Sabem que não aceitamos esse jogo”, escreveu. A previsão de Trump não se concretizou, mas indicou uma mudança.

O entusiasmo chinês ao divulgar o plano arrefeceu com as críticas de outros países, avalia Ricardo Kotz. “O discurso grandiloquente virou algo bem sutil. A reação da Europa e dos EUA gerou uma mudança na comunicação”, afirma.

Nos últimos meses, relatórios como os da Câmara de Comércio da União Europeia na China, do grupo Rhodium, encomendado pela Câmara Americana de Comércio e da Bloomberg Intelligence analisaram avanços e entraves na execução do plano.

Todos indicam que, ainda que não tenha batido todas as metas, o país alcançou os objetivos de modernizar sua indústria, criar marcas fortes locais e avançar nos setores em que estava atrasado.