RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A Procuradoria-Geral do Município de Paraty, no Rio de Janeiro, afirmou que a prefeitura nunca notificou o dono das terras que foram a leilão em maio porque não tinha conhecimento da propriedade.

Parte do espólio de um empresário português radicado no Brasil, 32 lotes foram colocados à venda em leilão –29 foram vendidos, dois encerrados e um foi suspenso após o dono de um imóvel entrar na Justiça. Os terrenos ficam em enseadas, vilarejos e ilhas.

Os RGIs (Registro Geral de Imóveis) têm descrições imprecisas, como “dois alqueires de terras mais ou menos, dividindo pela frente com o mar”. Mais de 2.000 moradores de Paraty podem ser impactados pelo leilão, incluindo comunidades caiçaras, famílias de pescadores e vilas urbanizadas, com creche e posto de saúde.

José Maria Rollas arrematou os lotes através de um leilão no fim da década de 1960 e os documentou em cartório em 1972. A Procuradoria diz que, como a lei de registros públicos foi sancionada em dezembro de 1973, as 32 propriedades não eram de conhecimento da prefeitura. Não havia matrícula de nenhuma delas e ele jamais foi notificado para pagar impostos.

A Procuradoria-Geral do Município é o órgão responsável por assessorar a prefeitura em assuntos jurídicos.

As certidões cartoriais anexadas aos leilões mostram que os lotes têm registro no Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), órgão federal.

No leilão, também foram anexadas certidões do Ministério da Fazenda em que o nome de José Maria Rollas aparece sem pendências em relação a tributos federais.

Todos os terrenos leiloados têm famílias morando. Parte delas paga IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana) ou ITR (Imposto Territorial Rural). Outras vivem da posse. A sobreposição gerou uma fila de pedidos de partes interessadas no processo de inventário e partilha.

“Foi uma surpresa que caiu para todo mundo. Tanto para os órgãos públicos quanto para os cidadãos de Paraty. A gente não imaginava que uma pessoa tivesse todos esses títulos de propriedade, e não dá para saber por que ele nunca exerceu posse de nenhum desses títulos”, afirmou Raissa Siqueira, representante da Procuradoria de Paraty.

A reportagem tentou contato durante uma semana com o prefeito Zezé Porto (Republicanos), através de mensagens e ligações telefônicas, mas não houve resposta.

No último dia 30, a 11ª Vara de Órfãos e Sucessões do Tribunal de Justiça do Rio decidiu que as cartas de arrematação, que garantem a transferência de propriedade para o arrematante, só serão expedidas depois que todos os pedidos de anulação do leilão forem julgados.

A Vara determinou ainda que os mandados de imissão na posse, que autorizam a entrada no lugar, só serão cumpridos depois que um oficial de justiça verificar que não há terceiros possuidores no imóvel.

A União manifestou interesse no processo judicial e requereu a suspensão do leilão, depois de descobrir que vários dos imóveis estão em áreas sob seu domínio, como terrenos de marinha, acrescidos de marinha e ilhas costeiras.

A Defensoria Pública e a Procuradoria do Rio de Janeiro também pediram a suspensão do leilão.

Ao longo de junho, moradores se mobilizaram para monitorar a chegada de topógrafos e arrematantes no cais de Paraty. Técnicos que apareciam sem documentos e desejavam fazer medições nos terrenos eram convencidos a voltar, segundo quem vive na região.

Ao menos um dos arrematantes já desistiu do processo, sob a alegação de que as dificuldades do leilão não foram bem informados.

José Maria , comerciante português radicado no Rio de Janeiro, foi sócio da Casa Rollas, loja do início do século 20 famosa por alugar ternos de segunda mão.

Ele morreu em 1988, deixando seis herdeiras. Elas definiram em consenso a venda das terras.

A SPU (Secretaria do Patrimônio da União), vinculada ao Ministério da Gestão e Inovação, disse que o leilão foi realizado sem qualquer consulta prévia ao governo federal.

“A SPU apurou indícios de sobreposição desses imóveis com áreas cadastradas em nome da União, além de identificar inconsistências nos documentos apresentados no edital do leilão, como a ausência de georreferenciamento adequado e registros cartoriais cancelados, o que impede a individualização segura das áreas”, afirmou a pasta, em nota.