SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os policiais militares responsáveis pela morte de um homem que já estava rendido e com as mãos para cima na quinta-feira (10) –ação que desencadeou protestos e atos de vandalismo que deixaram mais um morto e um policial ferido– integram o batalhão que mais deixou mortos em todo o estado de São Paulo ao longo de dez anos.
Trata-se do 16º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (16º BPM/M), responsável pela região onde está Paraisópolis, a maior favela da capital e palco da operação de quinta. De acordo com um estudo conduzido pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e pela Defensoria Pública estadual com base nas estatísticas divulgadas pelo governo paulista, a área de circunscrição desse batalhão teve 337 mortes decorrentes de intervenções policiais no período de 2013 a 2023.
Isso significa que uma em cada dez mortes provocadas pela PM na capital nesse período ocorreu na área sob policiamento do 16º BPM/M. O número de mortes continuou alto no último ano e meio. Ações policiais deixaram 43 mortos ao longo de 2024, e outros 7 mortos de janeiro a maio deste ano.
Durante o período analisado pelos pesquisadores, o estado foi governado por Geraldo Alckmin (PSB, de 2011 a 2018), Márcio França (PSB, 2018), João Doria (sem partido, 2019 a 2022), Rodrigo Garcia (sem partido, 2022) e Tarcísio de Freitas (Republicanos, desde 2023).
Dois policiais militares do batalhão foram presos em flagrante pela morte de Igor Oliveira de Moraes Santos, 24. Os tiros de espingarda e pistola que o atingiram quando ele não oferecia perigo foi captado pelas câmeras corporais dos agentes, segundo a PM.
O 16º BPM/M atua em bairros como Morumbi, Campo Limpo, Vila Sônia e Jardim Arpoador –uma região que concentra tanto favelas quanto mansões e apartamentos de alto padrão. Segundo o estudo, o aumento de mortes por intervenção policial na capital “é diretamente proporcional ao aumento da vulnerabilidade e da desigualdade social na área de atuação do batalhão”.
Para efeito de comparação, o estudo cita o 4° BPM/M, que opera na região da Lapa, Perdizes, Barra Funda, Vila Leopoldina e Pompeia. O batalhão está sob o comando do mesmo coronel, pois integra a mesma área metropolitana de policiamento. No mesmo período em que ações do 16º BPM/M deixaram 337 mortos, o 4° BPM/M teve 50 mortes.
Desde o ano passado, a PM tem intensificado as ações policiais na favela de Paraisópolis. A área é considerada por autoridades policiais uma área de atuação estratégica do crime organizado. O chefe da comunicação da PM paulista, coronel Emerson Massera, afirmou durante entrevista coletiva nesta sexta-feira (11) que a região é um “verdadeiro entreposto” para o comércio de drogas na capital.
Moradores que conversaram com a reportagem da Folha nesta sexta-feira (11) tinham na ponta da língua a informação de que o 16º batalhão é o mais letal da PM. Eles relataram que as ações dessa unidade na região são contínuas e, às vezes, violentas.
Além das viaturas da área, equipes vindas de Guaianases, Vila Prudente, Água Fria, Jabaquara e Cidade Ademar patrulhavam o entorno de Paraisópolis no fim da tarde de sexta. Motos da Rocam também transitavam pela avenidas Hebe Camargo e Giovanni Gronchi. Por volta das 17h, o helicóptero Águia 22 da PM sobrevoou o favela. Policiais da Tropa de Choque e do COE também podiam ser visto no entorno da favela. Apesar disso, o clima dentro da comunidade era de tranquilidade.
Denúncias de abuso de autoridade seguiram o aumento de policiamento na região no último ano. Em abril do ano passado, um menino de sete anos sofreu um ferimento no rosto durante uma ação policial em Paraisópolis, quando seguia para a escola com a mãe, e perdeu a visão do olho direito. Duas semanas antes, um homem havia morrido na favela após reagir a uma abordagem de policiais militares da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, a tropa de elite da PM).
Em janeiro deste ano, uma ofensiva policial intensa ocorreu após um tenente da PM de 50 anos ser baleado com dois tiros de fuzil durante um serviço de rotina na comunidade. Na ocasião, um suspeito também foi baleado e socorrido. Um fuzil e munições foram apreendidos.
Segundo a SSP (Secretaria de Segurança Pública) da gestão Tarcísio, a operação permanente da polícia na região –batizada de Impacto Paz e Proteção– já resultou na prisão de 255 suspeitos, na apreensão de 46 armas de fogo e na retirada de 2,3 toneladas de drogas das ruas da região. “Esses esforços tem refletido nas estatísticas criminais da área, que é atendida pelo 89º DP, com redução de crimes violentos, como roubos em geral e de veículos e dos homicídios”, disse a pasta, por meio de nota.
Questionada sobre a letalidade do 16º BPM/M nesta sexta, a secretaria afirmou que todos os casos de morte por intervenção policial são investigados e que nenhum desvio de conduta dos policiais é tolerado. “Quando há indícios de irregularidade, os responsáveis são punidos com base na legislação vigente, assim como ocorreu na ação em Paraisópolis”, diz a nota. A pasta disse ainda que investe em políticas públicas para reduzir as mortes em ações da polícia.
Apesar de terem reconhecido o crime flagrante dos policiais na morte do suspeito rendido, comandantes da PM ressaltaram ao longo da entrevista coletiva que, em paralelo às prisões, a polícia deve intensificar a atuação na área.
“Obviamente que essas operações não são de interesse do crime organizado”, disse nesta sexta o coronel Luodenir Gonzaga Bueno, responsável pelo CPA/M-5 (Comando de Área Metropolitana 5), que abrange a região de Paraisópolis Alguns desses números . “E eles vão fazer de tudo para nos retirar de lá. E nós não vamos recuar. Nós vamos continuar operando na região com foco no combate ao crime.”