Da Redação

Pela primeira vez em seus 128 anos de existência, a Academia Brasileira de Letras terá entre seus imortais uma mulher negra. A escritora Ana Maria Gonçalves, de 54 anos, foi eleita nesta quinta-feira (10) para ocupar a cadeira 33, antes pertencente ao linguista Evanildo Bechara, falecido em maio. Ela recebeu 30 votos e superou 12 outros concorrentes, incluindo a escritora indígena Eliane Potiguara, que obteve apenas um voto.

Conhecida pelo monumental romance Um Defeito de Cor, lançado em 2006, Ana Maria ganhou destaque ao reconstituir, em mais de 900 páginas, a história de Kehinde, uma mulher africana escravizada no Brasil. A obra, inspirada em figuras como Luiza Mahin, vendeu mais de 180 mil cópias e se transformou em um ícone da literatura afro-brasileira, dando origem a exposições, peças e até ao samba-enredo da Portela.

A eleição de Ana Maria marca uma ruptura simbólica com o perfil historicamente homogêneo da ABL — majoritariamente branco, masculino e elitista. Até hoje, apenas 13 mulheres conseguiram espaço na instituição fundada por Machado de Assis, um dos poucos nomes negros reconhecidos em sua história.

A vitória da autora ocorre sete anos após a polêmica exclusão da também escritora negra Conceição Evaristo, que, em 2018, recebeu apenas um voto, gerando críticas sobre o racismo estrutural presente na Casa. Agora, com a presença de Ana Maria Gonçalves e do líder indígena Ailton Krenak — eleito em 2024 — a ABL começa a abrir pequenas frestas em suas janelas fechadas há mais de um século.

Ainda assim, especialistas pedem cautela ao analisar o momento. “É um marco importante, mas o desafio agora é saber se essas conquistas serão pontuais ou se a Academia está, de fato, iniciando um processo de transformação”, avaliou a crítica literária Fernanda Miranda.

A entrada de Ana Maria Gonçalves não apenas reconhece sua contribuição à literatura brasileira contemporânea, mas também desafia a Academia a provar, com gestos concretos, que está pronta para refletir a diversidade do país que representa.