SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Eu mato um homem, e a maior parte das pessoas me perdoa. Eu amo um homem, e muitos dizem que isso me torna uma pessoa horrível.”
As palavras são de Emile Griffith, o primeiro pugilista a se assumir bissexual na história do boxe. Afro-caribenho, ele trocou as Ilhas Virgens Americanas por Nova York, onde foi trabalhar numa fábrica de chapéus femininos, onde demonstrou muito talento na criação de modelos.
Mas seu chefe na fábrica, um ex-lutador amador, reconheceu nele um talento muito maior para o boxe. Levado aos ringues, Griffith foi cinco vezes campeão mundial, em três categorias diferentes, e teve sua carreira e sua vida transformadas em 1962.
Numa luta transmitida pela TV para todo o país, ele nocauteou o cubano Benny Paret após um castigo severo no ringue. Antes do embate, na pesagem para a luta, o adversário zombou de Griffith diante de todos, chamando o rival de “maricón” e dando um tapa em suas nádegas.
No último round do combate, Griffith concretizou seu nocaute com mais de uma dúzia de socos desferidos contra o rosto de Paret em cinco segundos. O derrotado chegou em coma ao hospital e morreu dez dias depois.
Essa trajetória tão intensa é encenada em “12º Round: A História de Emile Griffith”, em cartaz no Sesc Ipiranga até o domingo (13). A peça constrói um perfil de toda a vida de Griffith, numa montagem inventiva, com ousadia no uso da luz e do som, e um elenco talentoso que faz uma entrega vigorosa. É um espetáculo de muita exigência física.
O ator Fernando Vitor, idealizador do projeto e intérprete de Griffith no palco, conheceu o texto que o jornalista e dramaturgo Sérgio Roveri escreveu em 2015, que estava inédito. “Eu e Fernando já nos conhecíamos. Ele assistiu a ‘Escola Modelo’, que é minha dramaturgia, e ‘Brás Cubas’, que eu faço como ator. Aí ele me convidou para essa que é minha primeira direção”, diz Bruno Lourenço.
O que mais chamou a atenção do diretor no texto é sua estrutura, como uma luta de boxe. “Griffith nocauteou Paret no 12º round. Eram 12 cenas de três minutos, intercaladas nos intervalos por outras cenas curtas, de um minuto, que é o tempo entre os rounds de uma luta.”
Lourenço manteve a ideia, mas com algumas modificações, sem a rigidez da minutagem e um uso forte da música. “A peça tem uma trilha sonora, com a qual fizemos até playlist no Spotify, que é de certa forma o cronômetro do espetáculo.”
Ele destaca como fundamental a ajuda de Wellinton Souza, que é preparador de boxe, árbitro e foi boxeador. “Além do trabalho de corpo, ele abriu portas para nós na cultura do boxe, que é uma cultura periférica, muitas vezes preta e pobre. E o boxe é muito machista, mas no Brasil, hoje, o destaque está com as mulheres.”
São apenas três atores em cena. Fernando Vitor é Griffith, da juventude à morte, suportando as consequências da repercussão da luta com Paret e, no fim da vida, sofrendo de demência pugilística. Seus colegas se revezam em muitos personagens. Alexandre Ammano faz na maior parte do tempo o papel de Paret.
Letícia Calvosa se desdobra em várias mulheres, entre elas a mãe de Griffith e a garota contratada para tirar fotos fingindo ser a namorada dele. Uma tentativa de afastar os rumores de que ele frequentava as casas noturnas gays próximas à Broadway. Nos Estados Unidos dos anos 1960, ser homossexual era crime.
O diretor admite que a peça é fragmentada, sem uma linearidade. Fala da luta, depois da infância de Griffith, vai para sua velhice e volta para a luta, tudo para montar um painel da vida do pugilista, que não é muito conhecida, principalmente fora dos Estados Unidos.
Lourenço acredita que a peça tem uma linguagem um tanto cinematográfica, o que faz sentido pelo fato de que esse tipo de biografia costuma ir para as telas. “Na nossa formação, somos mais acostumados com essas histórias no cinema. A referência na minha infância está nos filmes que eu via na televisão, na Sessão da Tarde, que tem uma nostalgia gostosa.”
Ele ressalta que há uma tentativa de terminar a história de um modo “para cima”. Ele considera que é uma vida dura, com problemas, traumas, mas é uma vida que deve ser celebrada.
Terminando a passagem pelo Sesc no domingo, ainda não há novas temporadas da peça agendadas, mas a produção está correndo atrás. “Temos conversas com o Itaú Cultural, mas nada definido ainda. Vamos inscrever a montagem nas leis de incentivo. Com a peça ‘Brás Cubas’, fiz quatro viagens internacionais, para a China e para a Rússia. Eu gostaria muito de viajar com o Griffith”, diz o diretor.
12° Round: A HISTÓRIA DE EMILE GRIFFITH
Quando De qui. a sáb., às 20h; dom., às 18h. Até dom. (13)
Onde Sesc Ipiranga – r. Bom Pastor, 822, São Paulo
Preço R$ 60
Autoria Sérgio Roveri
Elenco Fernando Vitor, Alexandre Ammano, Letícia Calvosa
Direção Bruno Lourenço