SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Com um microfone, um funcionário da Casa Franciscana, no Cambuci, região central de São Paulo, orienta os usuários para que eles se organizem para a limpeza do local e a arrumação para servir o almoço. Trabalhadores, usuários e estudantes de uma escola particular, que participam de uma vivência no local, ajudam nas tarefas. Lá são servidos 350 cafés da manhã e 350 almoços para adultos do núcleo de convivência, 250 dos quais pagos pela prefeitura os outros 100 com recursos de parceiros da Sefras (Ação Social Franciscana).
Sem dinheiro público, outras 200 refeições são entregues no período da tarde. Além dos 350 adultos, cerca de 50 crianças são atendidas no local, que existe há cinco anos. A maioria delas é moradora de ocupações e de um acampamento no Glicério. Em três turnos por refeição, o espaço permite que os usuários se alimentem sentados em cadeiras, à mesa. A casa também oferece acompanhamento especializado e atividades culturais, formativas e de lazer, inclusive uma biblioteca, banho, água potável e cuidados de higiene.
O serviço, conveniado à prefeitura, será interrompido no próximo dia 16 de agosto. A decisão também deve afetar os 80 leitos oferecidos durante a Operação Baixas Temperaturas mais de um mês antes do término do inverno.
O ofício datado de 15 de junho notifica a Sefras do “encerramento unilateral da parceria”, com o prazo para a rescisão “reduzido para 60 dias”. Por outro lado, a gestão Ricardo Nunes (MDB) afirma, em nota, que encerramento do serviço “não foi unilateral, mas resultado de amplo diálogo e consenso”. Prefeitura diz também que atendimento à população de rua não será afetada.
O diretor da Sefras, que mantém outros convênios com a administração municipal, preferiu não comentar as motivações da prefeitura.
Outro serviço, o Núcleo de Convivência de Santo Amaro, também teve suas atividades encerradas. As decisões coincidem com o funcionamento do Grupo de Trabalho para Análise Crítica, Revisão e Proposição de Aperfeiçoamentos Normativos e Operacionais Relativos à Gestão dos Núcleos de Convivência para População em Situação de Rua, instalado pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social no dia 28 de maio.
Segundo a portaria de instalação, além de dificuldades operacionais e de gestão dos núcleos, a criação do grupo leva em conta “as recorrentes reclamações de moradores e comerciantes quanto à concentração de pessoas no entorno dos equipamentos, comprometendo a segurança, a mobilidade urbana e a limpeza” e “impacto negativo na região e no entorno dos equipamentos”.
A Casa Franciscana já vinha sentindo os impactos dessa resistência dos moradores e comerciantes da região. Usuários reclamam de serem impedidos pela prefeitura de deixar suas carroças na rua quando vão ao núcleo. Segundo eles, os funcionários da zeladoria e a Guarda Civil Metropolitana argumentam que as carroças precisam estar sempre circulando e não paradas.
A zeladoria na rua, segundo relatam, é feita duas vezes ao dia. À tarde, as ruas e calçadas são molhadas para impedir que as pessoas fiquem sentadas.
Para conscientizar os vizinhos da importância do atendimento oferecido, funcionários, usuários e os estudantes criaram, no ano passado, um jornal bimestral sobre as atividades oferecidas. No mês passado, eles levaram para a Câmara Municipal a publicação de maio e cartas escritas a mão pelos usuários como forma de tentar sensibilizar os vereadores a atuarem para a manutenção do serviço.
Os usuários, em seus textos, pedem a permanência da casa e argumentam que lá “são tratados como gente e não apenas como números”, recebem “acompanhamento de saúde”, “mental” e de “ressocialização” e falam da “necessidade” que tem do atendimento no local.
A criação do grupo de trabalho ocorre depois de o vice-prefeito Mello Araújo (PL) ter dito, no dia 20 de maio, que a prefeitura estudava reduzir o número de equipamentos sociais no centro de São Paulo. Segundo ele, existem 80 deles na região. Dias depois, foi criado grupo de trabalho para analisar e “propor soluções para a transferência dos centros de acolhimento” instalados na região da Subprefeitura da Mooca.
Em nota, a secretaria diz que ninguém ficará desassistido com a desativação dos serviços Casa Franciscana e do Núcleo de Convivência de Santo Amaro. Todos os atendidos nos locais passam por análise individual detalhada por meio dos PIAs (Planos Individuais de Atendimento), garantindo a realocação em vagas adequadas da rede.
A gestão municipal reitera que a cidade tem a maior rede socioassistencial da América Latina, com mais de 26 mil vagas. A taxa média de ocupação em junho foi de 82%, considerando os 380 serviços disponíveis e, portanto, não há falta de vagas nos serviços de acolhimento oferecidos. Afirma ainda que as “medidas mencionadas seguem critérios técnicos e estratégicos” e são conduzidas por um GT “com base em dados da Vigilância Socioassistencial e buscam otimizar a oferta de serviços, eliminar sobreposições e aprimorar as instalações, garantindo um atendimento mais digno, eficiente e voltado à promoção da autonomia”.
Diz ainda que, somente na região da Sé, a secretaria conta com oito Núcleos de Convivência para Pessoas em Situação de Rua: Núcleo Inforedes Bela Vista; Núcleo de Convivência Dom Orione; Casa de Convivência Porto Seguro; Núcleo Prates; Núcleo Boracea; Núcleo Chá do Padre; Núcleo Boticário e Núcleo Rodrigo Silva, que ofertam juntos mais de 2.500 vagas.
A prefeitura não respondeu sobre a falta de participação popular no GT, sobre as reclamações de apreensão de carroças, sobre fechamentos de outros serviços nem sobre os critérios para análise das reclamações de vizinhos e sobre a divulgação dos resultados do trabalho do grupo.