SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Afinal, o que é ser pardo no Brasil? É o que a socióloga Flávia Rios tenta responder em um novo livro do qual é a organizadora.
“A condição de ser pardo no Brasil é aquela que remete à nossa história de mestiçagem. Com idas e vindas, altos e baixos: o pardo foi e continua sendo a pedra de toque das nossas relações raciais”, escreve Rios, professora na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (Universidade de São Paulo).
À reportagem a socióloga explica que o tema de “A Questão do Pardo no Brasil” é sensível, pois envolve história de violências, colonialismo e escravidão, além de estupro de mulheres negras e indígenas, o que teria causado uma miscigenação forçada.
“A ideia de pedra de toque é porque ela trata de uma história muito profunda brasileira, de ideologias nacionais, de temas sensíveis para a identidade nacional, e é manipulada, no sentido de movida, mexida de tempos em tempos, toda vez que se repactua na ação, toda vez que se problematizam questões.”
O assunto ganhou novos contornos com a divulgação do Censo de 2022. Pela primeira vez na história, pardos se tornaram o maior grupo racial, com 45,3% da população. Já brancos eram 43,5% e pretos eram 10,2%.
O cerne do livro, segundo Rios, é a discussão sobre como o Brasil do século 21 tem debatido a sua identidade. Seja no âmbito do Estado, nas mídias, na sociedade civil ou em movimentos sociais, a obra se propõe a debater a complexidade das identidades raciais no país por uma perspectiva histórica.
“Basicamente, o livro quer resgatar essa perspectiva histórica do debate sobre mestiçagem no Brasil. Ou seja, rediscutir a mestiçagem à luz dos problemas contemporâneos, à luz do que as novas gerações têm reivindicado, debatido, trazer um conhecimento que eventualmente essas gerações não tiveram acesso”, diz a socióloga. “Faz parte de um diálogo histórico.”
O livro é derivado de uma edição da revista Cult de mesmo título, também organizada por Rios. Publicada em julho de 2024, a revista esgotou rapidamente nas bancas, segundo a autora, evidenciando a urgência do assunto.
No livro, a autora abarca a maior parte dos textos publicados na revista e expande o assunto, convidando novos autores para aumentar a produção de discussões incluindo política, colorismo, influência americana e, o que ganha destaque como um dos principais assuntos, as políticas de ação afirmativa.
“Esse livro se faz necessário neste contexto histórico porque os pardos voltaram a ser tema das manchetes. Desta vez, não mais nas páginas policiais, mas sim, nos cadernos de educação”, escreve. A socióloga se refere às diversas discussões acerca das classificações raciais nas políticas de cotas nas universidades brasileiras.
O tema ganhou uma seção inteira no livro, dada sua urgência. Acadêmicos que já atuavam nesta linha de pesquisa escrevem sobre o assunto, no qual as bancas de heteroidentificação, recurso usado pelas universidades para determinar se um concorrente é negro ou não, se sobressaem.
“Comissões adentram a administração pública, as burocracias universitárias, visando gerar garantias, mas ao mesmo tempo tem várias questões que precisam ser problematizadas, pois vários grupos sociais têm questionado erros. Tenta resolver alguns problemas, mas pode eventualmente, não sempre, mas pode eventualmente errar”, diz Rios.
A obra se dedica ainda a tratar a questão indígena em meio à população parda brasileira, tema que, segundo Rios, às vezes é ofuscado pela discussão em torno da questão negra.
A socióloga explica que a “mestiçagem” assume diferentes características a depender da região do país, e que o autodeclarado pardo também pode ter ascendência indígena, algo aprofundado na obra em relação ao dossiê.
“Por exemplo, o Pará é um dos estados com maior concentração de pessoas autodeclaradas pardas. E a maior parte dessas pessoas se identifica mais com suas origens indígenas do que com suas origens negras”, diz ela.
A obra, que tenta abraçar em 210 páginas um dos mais complexos assuntos da questão racial brasileira, não tem pretensão de ser definitiva. “O presente livro não encerra a questão dos pardos no Brasil. Revela que precisamos produzir pesquisas quantitativas e qualitativas sobre o assunto, relacionando o tema às diversas dimensões da vida social”, escreve Rios.
A QUESTÃO DO PARDO NO BRASIL
Preço R$ 75 (210 págs.)
Autoria Flávia Rios (org.)
Editora Cult