SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A família do marceneiro Guilherme Dias Santos Ferreira, 26, ficou sabendo de sua morte após o irmão mais novo dele percorrer bairros da zona sul de São Paulo de bicicleta até encontrar o corpo, na madrugada de sábado (5).
Mateus, que é cerca de seis anos mais novo que Guilherme, reconheceu o par de tênis do irmão no cadáver que estava coberto por uma manta metálica e viu o celular dele recebendo chamadas da cunhada, que procurava por Guilherme havia horas.
O relato é da prima da vítima, a técnica de segurança do trabalho Larissa Souza Santos, 28, que morou com Guilherme desde que ele nasceu. Mateus deduziu que o irmão havia sido morto a tiros e começou a avisar familiares por telefone.
Guilherme, um homem negro que trabalhava em uma fábrica de camas, foi atingido na cabeça por um tiro disparado por um policial militar enquanto corria para alcançar um ônibus na noite de sexta (4). Ele havia acabado de sair do trabalho. O policial Fábio Anderson Pereira de Almeida, que estava à paisana, havia reagido a uma tentativa de roubo por um grupo de motociclistas.
A defesa do PM disse que ainda não iria se manifestar sobre o caso.
O cabo disparou contra o marceneiro minutos depois, afirmando que ele havia participado da tentativa de assalto. Guilherme estava de costas quando foi atingido, segundo o boletim de ocorrência. Almeida foi autuado por homicídio culposo, pagou fiança de R$ 6.500 e responderá em liberdade.
A procura por Guilherme havia começado por volta das 2h, segundo a prima. A esposa havia recebido uma mensagem dele às 22h28 da sexta, no minuto em que o marceneiro bateu o ponto e fotografou o horário de saída, avisando que estava indo para casa. Ele foi morto por volta das 22h35.
Cansada depois de um dia de trabalho, a mulher de Guilherme adormeceu à sua espera. Acordou de madrugada e deu falta do marido. Como ele não havia avisado sobre nenhum imprevisto nem retornava os telefonemas da mulher, a família se mobilizou à sua procura.
Acionado pela cunhada, Matheus pegou a bicicleta e foi até a casa da irmã. Eles tinham esperança de que Guilherme pudesse ter perdido a chave de casa e, sem conseguir entrar, pedido ajuda a algum dos parentes que moram no bairro.
Sem encontrá-lo, Mateus resolveu ir até a empresa onde Guilherme trabalhava, a Dream Box, a cerca de cinco quilômetros da casa. O local estava vazio, mas o irmão da vítima viu as viaturas, os policiais e profissionais da perícia ao redor de um corpo na estrada ecoturística de Parelheiros, a cerca de 800m da sede da empresa. Era por volta das 4h quando a notícia começou a se espalhar.
“A última pessoa que a gente esperava ver morto desse jeito é o Guilherme”, conta a prima. “Estou muito, muito desolada. Parece que a minha alma saiu do corpo quando meu tio me ligou e falou que o Guilherme tinha falecido. Eu gritei. Eu falei ‘não aceito, não aceito, não é justo’.”
Às sextas-feiras, o marceneiro normalmente sai do trabalho às 17h. No dia 4, havia aceitado ficar por mais cinco horas em troca de hora extra. Assim como ele, outros funcionários que saíram no mesmo horário também fotografaram o relógio de ponto e divulgaram a imagem em seus perfis no WhatsApp, uma prática que serve de comprovante e para o cálculo do pagamento adicional.
O marceneiro e outros três funcionários saíram juntos a pé da fábrica em direção ao local onde pegariam os ônibus para voltar para casa. Um colega dele, que estava ao seu lado quando Guilherme foi atingido na cabeça, foi algemado e ficou imobilizado de bruços no asfalto durante horas, segundo uma testemunha que conversou com a reportagem.
Guilherme não bebia, não fumava e era criterioso com as próprias companhias -evitando quem era malvisto na comunidade do Jardim Alvorada, na zona sul, onde cresceu-, segundo a prima. Todos em sua casa eram muito religiosos, e ele frequentava uma igreja pentecostal de seu bairro.
Recentemente, havia sido promovido na Dream Box, passando de montador de móveis para marceneiro. Guardava dinheiro para conseguir pagar pelo curso para obter uma CNH (Carteira Nacional de Habilitação), um de seus sonhos. O outro era ser pai, algo que já estava nos planos ao entrar no segundo ano de casamento.
O PM que atirou contra ele foi afastado das ruas e fará trabalho administrativo, segundo a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos). Ele fará companhia a outros dois PMs do mesmo batalhão afastados após a morte do estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, 22, em novembro passado.
Os três atuam na 2ª Companhia do 12° Batalhão de Polícia Militar Metropolitano, com sede na Vila Mariana, na zona sul da capital.
Em nota, Mauro Caseri, ouvidor das polícias de São Paulo, afirmou que Almeida desrespeitou protocolos da corporação e agiu com dolo. “Procedimento da PM determina três estágios nestes casos: identificar, decidir e agir. O policial desrespeitou essa sequência, agindo antes de identificar, vitimando mais um inocente, num crime de natureza dolosa”, afirmou