SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Três mesas de madeira tiram as medidas de Arto Lindsay. Uma, de pernas longas, chega até seus ombros, a segunda até a cintura e a última bate em seus joelhos. Embaixo do tampo de cada uma estão penduradas pequenas caixas de som, como tentáculos.

O artista ainda não tinha decidido o som que elas emitiriam na quarta-feira, quatro dias antes da abertura de sua exposição no espaço Auroras, em São Paulo. A ideia era deixar que a composição sonora fluísse após observar como as mesas prontas ocupavam o casarão modernista. “Eu acho que as pessoas exageram quando descrevem sua própria intencionalidade”, diz o artista.

Magro, esguio e pálido, Lindsay foi uma figura marcante na cena underground da Nova York dos anos 1970 e 1980. Integrante da banda DNA, ele arranhava melodias pouco usuais com sua guitarra frenética em bares e pequenas casas de shows, tornando-se uma figura expoente do no wave, movimento que rejeitava qualquer influência comercial na música.

Lindsay fez amizade com Jean-Michel Basquiat, que levou o grafite para as galerias de Manhattan e deu um novo impulso para que o expressionismo enfrentasse o minimalismo conceitual, dominante na época. O artista chegou a dar um caderno de desenhos e poemas para o músico, e o acompanhava com certa frequência em gravações no estúdio.

“Sempre considerei a música que eu faço mais ou menos ligada às artes plásticas. O som também é material, ele pode ser manuseado”, diz Lindsay, sobre seus acordes nervosos, às vezes mais direcionados ao punk, às vezes mais à performance. “Nunca aprendi a tocar guitarra de uma maneira convencional. Não posso tocar uma música dos Beatles, muito menos do Chico Buarque.”

Para Lindsay, o processo de criação de sua música é similar ao da arte. Ambas ganham forma a partir do que ele chama de “experimentação controlada”, um improviso que parte de algum lugar para atingir outro. “Essa ideia de arte sonora surgiu quando as pessoas se deram conta que o som também é material, tem presença física e pode ser manuseado.”

As mesas que medem seu corpo são uma tentativa de entender a si próprio espacialmente. Afinal, apesar das várias performances e shows ao longo dos últimos anos, essa é a segunda exposição do artista —a primeira e última foi em 2010. A ligação com o Brasil remonta a infância, quando morou em Garanhuns e Recife, em Pernambuco, com os pais missionários. Cresceu influenciado pela irreverência tropicalista.

A ideia era as obras que estão na segunda sala da mostra surgiu após uma viagem à Bahia, onde viu artesãos trabalhando com pedras. No Auroras, Lindsay espalhou recortes irregulares de mármore sobre o chão, e entalhou seu símbolo em cada um deles. Dessa vez, o som está no eco da sala.

Segundo ele, hoje há um acolhimento de músicos experimentais por parte das galerias e museus —um alivio diante de uma indústria musical minada pela presença do streaming. “As pessoas desse mundo [da arte] começaram a entender que as formas de experimentação dos músicos eram parecidas com os procedimentos dos artistas plásticos. O streaming não paga nada. Os músicos ficaram sem a renda das gravações”, lamenta.

Numa Nova York pulsante em sua decadência, artistas menores ainda conseguiam se beneficiar do sucesso de grandes figuras que despontavam no pop, como Michael Jackson, Andy Warhol e Madonna —esses dois últimos, muito próximos a Basquiat, por sinal. “Nova York está quebrada como cidade”, diz Lindsay, referindo-se à crise fiscal de 1975.

“Mas, para quem estava chegando e queria iniciar uma vida, havia muita liberdade e tinha espaço para trabalharmos antes de precisar atender a uma indústria”, conclui o artista. Foi naquele momento, também, que surgiam novos cineastas atentos para a cidade, como Woody Allen e Martin Scorsese.

Hoje, o polo financeiro e cultural deixou a costa leste para se aferrar no Vale do Silício, terra das grandes empresas de comunicação e tecnologia. Fora das leis dos algoritmos, os shows ainda são a melhor oportunidade para músicos experimentais de atingir o seu público, segundo Lindsay.

ARTO LINDSAY

– Quando De 6 de junho a 24 de agosto. Sábado, das 11h às 18h.

– Onde Espaço Auroras – av. São Valério, 426

– Preço Grátis

– Classificação Livre