SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Senado dos Estados Unidos aprovou em junho (17) uma regulamentação sobre as stablecoins, criptomoedas pareadas com alguma moeda fiduciária (dólar, real etc.), cesta de moedas ou commodities, no que foi considerado um marco para o setor. No Brasil, o ativo é um dos que mais movimenta dinheiro entre os criptoativos, totalizando mais de R$ 240 bilhões em 2024, apesar de o setor não ter uma regulamentação específica.

Segundo a plataforma de dados CoinMarketCap, a USDT, stablecoin da empresa Tether pareada com o dólar americano, tem 4,69% da capitalização do mercado de criptomoedas. A métrica considera o preço atual e a circulação do ativo no mundo. O Bitcoin e a Ethereum, líderes do ranking, têm 64,55% e 9,22%, respectivamente.

Dados da Receita Federal revelam que 3 das 5 criptomoedas que mais movimentaram dinheiro em 2024 são stablecoins. O Tether USDT e a USD Coin, criptomoedas indexadas ao dólar, e a BRZ, pareada ao real, totalizaram R$ 233 bilhões durante o ano. Os dados são de um relatório publicado em janeiro de 2025 —o mais recente.

Os números podem ser mais altos, porque pessoas com menos de R$ 5.000 em criptos, segundo a legislação, não são obrigadas a informá-las ao órgão.

A popularidade das stablecoins entre os investidores se deve ao fato de elas não apresentarem uma flutuação de mercado tão alta como outras criptomoedas. De acordo com especialistas consultados pela Folha de S.Paulo, isso traz uma maior segurança aos ativos.

“As criptomoedas como o Bitcoin, por exemplo, têm o valor baseado exclusivamente em oferta e demanda. Quanto mais gente compra, mais cara fica a cotação. E, quando a gente está falando de investimentos institucionais ou de fazer um planejamento usando os criptoativos, é importante ter previsibilidade”, diz Sarah Uska, analista de criptoativos do Bitybank.

Fabrício Tota, diretor de Novos Negócios do Mercado Bitcoin, diz que as stablecoins foram criadas para diminuir a separação entre o universo cripto e o sistema financeiro tradicional.

“[A proposta das stablecoins] é que o emissor mantenha dólares numa conta em banco ou em títulos públicos, garanta um ativo que vale exatamente um dólar [ou outra moeda ou commodity], e quando o investidor precisar trocar para a moeda real ele consiga. O ativo gerou uma fluidez no mercado cripto”.

Por isso, os ativos são utilizados por investidores que querem fazer pagamentos internacionais, afirma, sem os custos dos intermediários bancários ou limitações do horário comercial sob diferentes fusos horários, como é o caso do sistema Swift.

“As stablecoins dão acesso a um sistema que funciona 24 horas por dia durante 7 dias por semana, sem precisar passar pelos trâmites tradicionais”, diz Sarah Uska, do Bitybank.

Os investidores interessados nas stablecoins, porém, precisam atentar aos riscos. Segundo Erik Oioli, sócio do escritório VBSO Advogados, o setor ainda não tem uma regulamentação detalhada no Brasil, que depende do Banco Central.

“A gente tem uma lei [Marco Legal dos Criptoativos] que disciplina a atividade de prestação de serviços para ativos virtuais. O ativo virtual é qualquer representação digital de valor que possa ser usado como meio de pagamento ou investimento. Então, é uma definição bastante ampla”, diz.

Com isso, segundo ele, hoje, o investidor precisa confiar no protocolo da empresa para investir nas stablecoins. “Essa é uma das razões de regular, para que se tenha segurança de que, de fato, esse ativo virtual é estável como deve ser. O investidor precisa de garantias de que uma stablecoin que tem paridade com o real tenha lastro”.

A advogada tributarista Edna Dias concorda. “Os riscos das stablecoins dependem da forma como ela é lastreada e da transparência de quem a emite”. Ela menciona o caso da criptomoeda da Luna, em 2022, que era pareada ao dólar americano e gerou perdas bilionárias a investidores ao desancorar da moeda fiduciária

A transparência é vista como um ponto central dos riscos do ativo (e do setor). Em comunicado divulgado no final de junho, uma semana após a regulamentação do Senado americano, o BIS (Banco de Compensações Internacionais), uma espécie de banco central dos bancos centrais, fez seu alerta mais severo para stablecoins.

Segundo a instituição, o ativo tem problemas em questões de transparência e potencial de minar a soberania monetária. “Você sempre terá a dúvida sobre a qualidade do lastro do ativo. O dinheiro está realmente lá? Onde ele está?”, disse Andrea Maechler, gerente geral adjunta do BIS.

O setor tem uma regulamentação de princípios gerais no Brasil. Em 2022, a Câmara aprovou o Marco Legal dos Criptoativos. A lei exige que as empresas que operam no mercado de criptoativos tenham sede no Brasil e prevê punições para fraudes em diferentes esferas, incluindo a criminal.

No final de 2024, o Banco Central lançou três consultas públicas para trazer maior segurança aos criptoativos. Uma delas, a 111, define que as empresas que comercializam criptomoedas internacionais, como as stablecoins, se adequem às regras do mercado de câmbio tradicional.

Para Oioli, há uma expectativa de que a autarquia publique um conjunto de regras ainda neste ano sobre o funcionamento dos agentes deste mercado, baseada nas consultas públicas. Feita essa deliberação, uma regra será publicada, com período de seis meses para entrar em vigor. Neste intervalo, as empresas poderão se adaptar às novas determinações.

Enquanto isso, porém, segundo ele, o investidor depende da sua própria avaliação para investir em criptos e stablecoins. “Ele precisa conduzir sua própria investigação para se proteger de eventuais fraudes que possam comprometer seu investimento”.