SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Desde criança, a escritora Djaimilia Pereira de Almeida ouvia seu pai falar sobre sua vontade de escrever um livro. Algumas vezes, ele chegou a dizer à filha que já havia feito boa parte da obra. O projeto foi ganhando cada vez mais presença nas falas do jornalista Joaquim Pereira de Almeida.
Em janeiro de 2021, aos 63 anos, Joaquim morreu sem que o livro de sua vida chegasse a ser produzido. Mas uma semente havia sido plantada.
Perder uma pessoa tão próxima impactou a vida de Djaimilia em muitos sentidos, e a literatura se apresentou como um caminho de cura. Assim nasceu “O Livro do Meu Pai”, publicado há pouco no Brasil.
“Por vezes, imaginava em pavor como seria quando morressem os meus. O maior terror do mundo é esse enigma e as circunstâncias que o rodeiam. Agora, sei como foi. O enigma desfez-se, o nó desatou-se”, diz a narradora do livro, que discorre ao longo de 268 páginas sobre os sentimentos desencadeados pela perda de uma pessoa querida.
Com relatos de uma relação ora distante, ora afetuosa, a escritora reflete sobre os sentimentos em relação ao seu progenitor e sobre as múltiplas formas de se entender e encarar a finitude da vida.
“Eu tive um luto extremamente doloroso e parte desse luto passou por eu deixar de ser capaz de escrever durante um longo período. Fisicamente eu não conseguia, era impossível escrever. Então, comecei a escrever este livro para tentar sobreviver à morte do meu pai”, diz a autora, de sua casa em Lisboa, durante uma conversa por videochamada.
Neste período de bloqueio, ela recuperou documentos, cartas, recortes de jornal e outros itens que o pai havia deixado. A partir desses registros, começou a imaginar o livro que seu pai teria feito e a desenvolver um exercício de escrita.
“Mais do que querer fazer uma homenagem ao meu pai, eu queria voltar a ser capaz de escrever. Só que o único assunto sobre o qual eu era capaz de escrever naquele momento era sobre ele e a dor que eu estava atravessando. E então fui escrevendo aos poucos.”
A autora de obras premiadas como “Luanda, Lisboa, Paraíso” e “A Visão das Plantas” conta que retomar trabalhos antigos de seu pai como repórter foi importante para reconhecer uma personalidade que ela ainda não conhecia tão bem.
Nascida em Angola e criada em Portugal, Djaimilia conta que o pai viajou muito a trabalho entre os 18 e os 26 anos, e, quando ela era pequena, retornou ao seu país natal levando a filha. Por isso, as lembranças que tinha das aventuras profissionais de Joaquim vinham de relatos saudosistas.
“É uma experiência curiosa pensar que aos 19 anos, quando eu nem sequer era nascida, meu pai já tinha aquela voz, já era uma pessoa antes de eu ser uma pessoa. Ler os textos dele me permitiram ter esta percepção muito forte de que nossos pais e nossas mães já são alguém antes de nos trazerem ao mundo. E, por isso, trilham caminhos que nos são estranhos”, reflete a autora.
Questionada sobre as dificuldades de expor vulnerabilidades ao público, Djaimilia diz que apesar de ser uma pessoa reservada, consegue se mostrar mais livremente por meio de seus trabalhos.
“A partir do momento em que uma coisa muito pessoal é dita dentro de um livro, automaticamente, em virtude de eu submetê-la à construção de uma história e às leis que dizem respeito ao domínio das palavras, essa coisa começa a tornar-se outra em relação a mim e deixa de ser tão pessoal assim”, diz.”
“É como se houvesse um estranhamento provocado pela literatura. Como se a narradora do livro não fosse eu, nem aquela fosse a minha vida, e fosse mais uma figura de ficção.”
O Livro do Meu Pai
Autoria: Djaimilia Pereira de Almeida
Editora: Todavia
Quanto: R$ 84,90 (268 págs.); R$ 59,90 (ebook)