RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Negociadores do Brics concluíram neste sábado (5) um comunicado conjunto, a ser divulgado pelos líderes do bloco ao fim do evento, e contornaram impasses que vinham emperrando as tratativas em temas como os conflitos no Oriente Médio e a reforma das Nações Unidas.
Os dois assuntos mais sensíveis foram superados, evitando que a cúpula terminasse sem declaração e evidenciasse divisões internas no grupo. A reunião, que começa neste domingo (6), já sofre com o desfalque de líderes relevantes, o que contribui para reduzir o peso político do encontro.
Depois de dias de negociações, dois pontos permaneciam em aberto na manhã deste sábado. Eles foram concluídos numa última rodada de conversas.
O Irã, que nem sequer reconhece o direito de Israel de existir, vinha se opondo a aceitar na declaração conjunta menções à solução de criação de dois Estados um israelense e outro palestino como fórmula para superar o conflito no Oriente Médio. Para Teerã, a inclusão dessa referência significaria um reconhecimento implícito ao Estado de Israel, algo que o regime dos aiatolás rejeita desde a revolução islâmica de 1979.
De acordo com pessoas cientes das tratativas, a delegação iraniana terminou isolada na sua posição. Primeiro, porque já tinha aceitado em outros fóruns internacionais e reuniões documentos que mencionavam a solução de dois Estados, como na própria declaração do Brics do ano passado e numa manifestação da Organização para a Cooperação Islâmica.
Segundo, a solução de dois Estados é endossada por todos os demais membros do Brics, inclusive pelas nações árabes recém-incorporadas, como Egito e Emirados Árabes Unidos. Trata-se, nas palavras de um negociador, de uma manifestação abraçada em peso pelo Sul Global (grupo de países emergentes) e não havia maneira de recuar apenas para contemplar o desejo iraniano.
Dessa forma, ainda de acordo com pessoas com conhecimento das conversas, o documento a ser divulgado na cúpula deste domingo terá ao menos uma referência à solução de dois Estados como caminho para superar o conflito israelo-palestino.
No caso da reforma do Conselho de Segurança da ONU, que vinha opondo o Brasil, de um lado, e a Etiópia e o Egito, de outro, foi adotada uma linguagem considerada uma vitória pelo Itamaraty. O ponto principal para o governo Lula (PT) era manter no documento uma citação explícita à aspiração brasileira de um dia ocupar um assento permanente no colegiado.
O texto negociado deve trazer o reconhecimento de China e Rússia, dois membros permanentes do principal órgão da ONU, de que Brasil e Índia devem desempenhar um papel mais ativo em temas globais e nas Nações Unidas, inclusive no Conselho de Segurança.
Apoio semelhante dos Brics à ambição da África do Sul, que constava em documento de 2023, foi retirado para reduzir o atrito com egípcios e etíopes. Esses países africanos têm uma posição conjunta própria sobre como deve ser uma reforma do Conselho de Segurança e rechaçavam a ideia de que um país do continente tivesse tratamento preferencial.
As dificuldades para fechar uma declaração conjunta evidenciam os custos da expansão do Brics. Se, por um lado, o bloco ganhou peso e ambição para se tornar um novo polo de poder global, por outro, enfrenta obstáculos maiores para alcançar consensos. Dentro do próprio Itamaraty, há a avaliação de que a ampliação do Brics trouxe complexidades, nomeadamente pelo grande número de novos integrantes do Oriente Médio, região onde há inúmeras particularidades e crises.
No final, o acordo para a publicação de um documento conjunto é um alívio para o governo Lula, que já lida com uma cúpula esvaziada pela ausência de líderes importantes do Brics.
Além do chinês Xi Jinping, cuja ausência é especialmente sentida pelo Palácio do Planalto, também devem faltar à cúpula os líderes da Rússia, Vladimir Putin (alvo de um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional); do Egito, general Abdel Fattah al-Sisi, que decidiu permanecer em seu país para acompanhar novas tratativas de cessar-fogo em Gaza; e do Irã, Masoud Pezeshkian, recém-eleito presidente de uma nação bombardeada por Israel e Estados Unidos.
Até 2023, o Brics era formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Naquele ano, ingressaram no grupo Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia, Irã e Arábia Saudita. Há ainda uma lista de nações parceiras: Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda, Uzbequistão e Vietnã.
O bloco ampliado tenta também preencher o vácuo deixado pela saída dos EUA de fóruns multilaterais. Enquanto o governo Trump retirou Washington da Organização Mundial da Saúde, enfraqueceu a Organização Mundial do Comércio com sua guerra tarifária e cortou bilhões de dólares em recursos para prevenção de doenças na África, o Brics divulgará um documento sobre financiamento climático e assumirá compromisso com o combate às chamadas doenças socialmente determinadas, como tuberculose e malária.
Não por acaso estarão presentes no Rio o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom; a diretora da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala; e o secretário-geral da ONU, António Guterres.
Um dos objetivos do Brasil é anunciar uma iniciativa de colaboração financeira entre os países do Brics e a OMS, que perdeu 15% de seu orçamento após a saída dos EUA. A ideia seria ter algo semelhante aos compromissos firmados para a Aliança Global contra a Pobreza.
Em uma declaração separada sobre inteligência artificial, também haverá críticas à postura do governo Trump, que vem ameaçando e de fato retaliando países que adotam regulações ou taxações contra as big techs.
O Brasil lidera a defesa por uma remuneração justa pelo uso de dados para treinar modelos de IA. As grandes empresas de tecnologia alegam que o pagamento de direitos autorais sufocaria a inovação.
Já o governo brasileiro argumenta que esse discurso repete, agora do lado inverso, a retórica dos países ricos no passado, quando defendiam a proteção de propriedade intelectual de medicamentos para impedir a quebra de patentes por nações emergentes.