BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Uma auditoria do Ministério da Saúde afirma que o Governo do Amapá aumentou o valor total de emendas parlamentares disponíveis para o estado depois de declarar ter feito radiografias suficientes para examinar 98% de sua população.

Segundo relatório, a gestão estadual registrou 720.471 procedimentos de raio-X de tórax apenas no hospital de Santana (município vizinho de Macapá) em 2020 —um salto de 59.345% em relação aos 1.212 exames realizados no ano anterior. O Censo de 2022 diz que há 733.759 habitantes em todo o estado.

O ministério afirma que o Governo do Amapá não conseguiu justificar a explosão de radiografias e cobra a devolução de R$ 6,8 milhões. O valor seria a soma dos procedimentos inflados nos dados do SUS (Sistema Único de Saúde).

O relatório de auditoria não diz se as informações foram intencionalmente inseridas no sistema para elevar a verba de emendas ou se houve alguma falha no momento de registrar a produção do hospital.

O documento afirma que a equipe do ministério analisou as respostas apresentadas pelo hospital e pela Secretaria de Saúde estadual, além de apurar informações adicionais, e não identificou “elementos comprobatórios capazes de justificar o aumento exorbitante de procedimentos”.

O teto de verba que parlamentares podem indicar para a saúde dos estados e municípios é definido justamente pelo volume de exames, consultas e internações do ano anterior.

O ministério diz que já enviou ao Governo do Amapá uma guia para o pagamento dos R$ 6,8 milhões.

A secretaria estadual nega irregularidades e diz que houve “erro material” durante o registro da produção hospitalar na rede de dados do SUS.

Em nota, a pasta afirma que inseriu equivocadamente o código do procedimento de radiografia de tórax (02.04.03.015-3) junto ao campo destinado ao registro do número de procedimentos feitos em novembro de 2020.

A digitação teria gerado “a leitura automática de 720.204 exames realizados —valor que, na realidade, corresponde aos dígitos do código em vez de uma quantidade real”, afirma a secretaria. A produção real foi de 72 exames naquele mês, segundo a mesma nota.

O relatório do ministério não menciona a hipótese de erro no momento da inclusão dos dados sobre a produção ambulatorial como uma justificativa dada pelo Amapá. A secretaria estadual diz que esse argumento foi elaborado após a emissão do relatório e “atualmente tramita internamente em processo administrativo”.

O estado era governado por Waldez Goés (PDT) no período da explosão de exames registrados. Atual ministro de Integração e do Desenvolvimento Regional do governo Lula (PT), ele foi procurado pela reportagem e não se manifestou.

Em 2021, o Amapá recebeu R$ 54,1 milhões em verba extra de emendas para custear ações em hospitais e ambulatórios, sendo que a maior parte (R$ 42,8 milhões) foi destinada na forma de emendas do relator-geral, cuja distribuição era controlada pela cúpula do Congresso.

Na sequência, os principais autores das emendas ao estado foram o atual presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil), com R$ 8,28 milhões repassados, e o senador Lucas Barreto (PSD), com R$ 2,8 milhões.

A auditoria pede a devolução do dinheiro ao afirmar que “as não conformidades citadas propiciaram o recebimento de recursos pelo Estado de forma indevida, provenientes de emendas parlamentares por inserção de informação não compatível com a produção efetivamente realizada”.

O Governo do Amapá diz que o valor total repassado ao estado por emendas ainda ficou abaixo do teto permitido, que alcançaria R$ 66,6 milhões em 2021.

“Trata-se, portanto, de uma falha operacional de digitação, ainda não detectada pelo sistema federal durante o processamento, tampouco identificada a tempo pela unidade responsável no momento do envio. Em nenhum momento houve intenção de manipular informações para obtenção indevida de recursos”, afirma a Secretaria da Saúde estadual.

A pasta ainda diz que o governo federal repassou R$ 12 milhões a menos do que devia em relação ao produzido no SUS em 2020.

A apuração sobre os repasses ao Amapá foi feita pelo DenaSUS (Departamento Nacional de Auditoria) a partir de março de 2024. Este foi um dos processos abertos pelo Ministério da Saúde para verificar se estados e municípios inseriram dados falsos de produção ambulatorial e hospitalar para conseguir aumentar o seu teto de emendas. Esse tipo de irregularidade foi revelado pela revista piauí, em 2022.

Em junho do ano passado, a equipe de auditoria fez uma visita ao hospital e considerou que não é possível realizar o número de exames com a estrutura existente. Havia apenas três médicos habilitados para o procedimento e uma sala de radiografia, com um equipamento fixo em operação.

Ainda havia dois equipamentos móveis de raio-X, mas apenas um funcionava naquele momento, segundo o relatório. A equipe encontrou fiações elétricas expostas na parede e no piso e “falhas no isolamento na blindagem da sala de raio-X”.

A responsável pelo preenchimento dos dados do hospital disse à auditoria que nem sequer tinha uma senha própria de acesso ao sistema e que usava a conta de outra pessoa. A auditoria também afirma que a secretaria estadual não respondeu o questionário sobre a alimentação de sistemas informatizados do SUS.

“Este fato contribui para falhas na inserção das informações da produção no SIA-SUS, o que pode resultar no recebimento indevido de recursos”, afirma o relatório do DenaSUS.

O Hospital Estadual de Santana ainda compartilhou dados sobre 405 radiografias de tórax feitas em 2020, mas todos os registros estavam sem carimbo do responsável. A equipe de auditoria considerou os registros sem validade.

A auditoria também avaliou os dados do sistema estadual de saúde, que apontavam “número excessivo de produção ambulatorial”, com 4.733 procedimentos a mais do que o declarado para a rede que chega ao Ministério da Saúde.