CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – Membros da Promotoria de Justiça de Habitação e Defesa da Ordem Urbanística de Porto Alegre concluíram pelo arquivamento do inquérito civil aberto com o objetivo de apurar as falhas no sistema de proteção contra cheias, e eventuais responsabilidades, durante a histórica enchente de maio de 2024.

De acordo com os promotores Luís Felipe de Aguiar Tesheiner e Martha Weiss Jung, que assinam o arquivamento, entre as principais causas para a inundação do Lago Guaíba e o avanço das águas para a cidade estariam “a própria magnitude do evento, sem registro precedente e caracterizador de caso fortuito ou força maior” e “o fato de o SPCC (Sistema de Proteção Contra Cheias), projetado e construído pela União, nunca ter sido testado” integralmente.

Assim, na visão dos promotores, não houve responsabilidade civil do município e da atual gestão.

“Resta evidente que os fatores responsáveis para as cheias dentro desta cidade de Porto Alegre transcenderam em muito as últimas administrações municipais, podendo-se dizer, inclusive, que algumas delas perpassaram todos os governos que geriram a Prefeitura Municipal de Porto Alegre desde a implantação do SPCC, que ocorreu no início dos anos 70”, escrevem os promotores.

O sistema de proteção é uma estrutura formada basicamente por diques de terra, comportas e casas de bomba, para captar a água de eventual alagamento na cidade e devolvê-la ao lago Guaíba. Mas a estrutura não funcionou adequadamente em maio do ano passado e não foi capaz de impedir o avanço da água para o interior da cidade.

A conclusão pelo arquivamento, justificada em mais de 80 páginas, foi assinada pelos promotores em 1º de julho.

“Note-se ainda que, embora as águas tenham entrado em Porto Alegre, o SPCC evidentemente atrasou o alagamento, viabilizando o refúgio da população em áreas seguras. Mesmo sendo esta Capital significativamente mais populosa, o número de óbitos registrados – cinco – foi significativamente menor quando comparado com o de outras localidades”, diz outro trecho do documento, obtido pela reportagem. A reportagem não conseguiu falar com os promotores neste sábado (5).

A informação sobre o arquivamento foi divulgada pela gestão Sebastião Mello (MDB) nesta quinta-feira (3). No site da prefeitura, a administração afirma que ficou demonstrado “que a insuficiência do SPCC decorreu de evento climático sem precedentes e não de omissão por parte da administração municipal”.

“A decisão do Ministério Público reforça a seriedade com que tratamos o tema e reconhece o esforço técnico e institucional empreendido para enfrentar um evento de proporções inéditas”, disse o procurador-geral do município, Jhonny Prado, no site oficial.

Embora tenha ocorrido o arquivamento deste inquérito civil, uma ação civil pública envolvendo as enchentes, também proposta por membros do Ministério Público estadual, segue tramitando normalmente desde 31 de março.

Nela, os promotores Cláudio Ari Mello e Carla Carrion Frós apontam a omissão do município e pedem que a prefeitura seja condenada a uma indenização por danos morais coletivos causados à população no valor de R$ 50 milhões, e também os danos materiais e morais aos moradores e empresários dos bairros das áreas protegidas pelo sistema de proteção – cerca de 160 mil pessoas, em uma estimativa dos promotores.

“Há uma divergência entre promotores do Ministério Público, mas esta divergência não tem nenhuma repercussão na ação de indenização de danos. O que consta na peça de arquivamento [do inquérito civil], na minha visão, está completamente equivocado”, disse o promotor Cláudio Ari Mello em entrevista à Folha de S.Paulo neste sábado.

A ação civil pública foi proposta pela Coordenação do Núcleo de Defesa dos Direitos das Vítimas com o apoio do Centro de Apoio Operacional da Ordem Urbanística, que é coordenado por Mello.

Segundo a ação civil pública, houve inércia da administração municipal em relação a evidências e suspeitas de falhas no sistema de proteção.

“Os estudos técnicos já realizados e divulgados que resultaram da investigação sobre as causas na inundação apontaram a ocorrência de falhas em todos os tipos de estruturas do sistema de proteção”, diz trecho da ação.

“Já a causa das falhas foi um conjunto de omissões cometidas pela prefeitura ao longo do tempo”, como “falta de vigilância, monitoramento e manutenção adequados”, continuam os promotores na ação.