SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em uma aula de Karthik Ramanna, professor de negócios e políticas públicas da Universidade de Oxford, um estudante sentenciou: “você é o sistema”. Como homem não branco, gay e imigrante, ele questiona de onde vem essa hostilidade contra instituições estabelecidas.
Liderar diante da hostilidade requer constante gerenciamento de crise. Cabe aos gestores acalmar a tensão, analisar a indignação, moldar e delimitar a resposta, além de desenvolver temperança e resiliência, segundo o autor.
“Um líder precisa temperar suas convicções pessoais se a busca dessas convicções estiver afetando suas obrigações para com as pessoas lideradas”, afirma Rammana.
No livro “A Era da Indignação”, ele lista causas para as pessoas terem tanta raiva das regras estabelecidas. Para o autor, três motores alimentam a era da indignação: as pessoas estão com medo do futuro, causado pela preocupação com questões como mudanças climáticas, migração, impactos pela inovação tecnológica e pelo avanço da IA no trabalho; há o sentimento de injustiça entre quem tem renda média e baixa, que se vê prejudicado pela globalização; e uma ideologia de alterização, com a adoção de uma postura do ‘nós contra eles’.
“Gerenciar indignação” não é o mesmo que “gerenciar na era da indignação”, afirma. Segundo Ramanna, não é possível resolver a indignação, apenas mitigá-la e quem busca soluções também é visto como parte do problema.
Baseado no modelo geral da agressão, de Craig Anderson e Brad Bushman, ele propõe uma plataforma para “baixar a temperatura” diante de crises, dividida em quatro etapas: 1) identificar o que motiva a indignação; 2) dimensionar a resposta da organização; 3) entender o poder da liderança para agir e 4) construir resiliência organizacional e pessoal.
Na primeira fase, a liderança precisa conduzir um processo para identificar os motores de indignação. As discussões devem ser realizadas longe dos olhos do público, com ampla representação das partes interessadas em um grupo com cerca de 35 indivíduos diversos.
O moderador, sem vieses, deve entender as raízes da agressão e ser capaz de complementar o tomador de decisão. Com regras de interação bem definidas e evitando os assuntos polêmicos no início da discussão, os integrantes devem se sentir incentivados a compartilhar suas vulnerabilidades, o que pensam ser os motivos da indignação e possíveis soluções.
Segundo Ramanna, cabe ao líder identificar se a indignação vem da preocupação com o futuro, de uma experiência de injustiça ou de uma hostilidade intrínseca em relação a alguma outra parte interessada ou de uma combinação dos três elementos.
Após compreender a origem da indignação e como ela interage com o caso concreto, é possível dimensionar a reação que a organização pode tomar.
Nessa segunda fase, ele propõe que os chefes avaliem assimetrias em capacidades e analisem os compromissos morais, fazendo perguntas como:
Sou diretamente responsável pela indignação?
Minha inação irá exacerbar diretamente a indignação?
Agir para aliviar a indignação faz parte do meu contrato (implícito) com as partes interessadas?
Eu quero que faça parte desse contrato?
Em caso afirmativo para qualquer uma delas, é necessário agir.
A terceira fase exige entender qual o poder da liderança, seu potencial de mobilizar a energia de terceiros para os próprios fins e sua influência.
O poder pode ser não contextual, ou seja, entre indivíduos e se divide entre o emotivo, que surge do carisma, e o racional, que vem da experiência e inteligência. O poder contextual, baseado em instituições, pode ser coercitivo, representado pela autoridade formal ou recíproco, por meio das relações.
Já a influência pode ser direta, de pessoa para pessoa, indireta, quando exercida por meio da definição da pauta ou implícita, que se dá pela cultura ou pelo compartilhamento de crenças.
Ramanna recorre ao estoicismo para definir a última e quarta etapa: criação de resiliência na organização e na vida pessoal e o exercício da temperança. Segundo ele, das quatro virtudes defendidas pelos gregos clássicos coragem, justiça, sabedoria e temperança a última é subestimada, sendo ignorada em manuais de desenvolvimento e aulas de liderança.
Do início ao fim do livro ele cita como exemplo de boa gestão da indignação o processo de reforma do ensino público brasileiro. Maria Helena Guimarães de Castro, ex-secretária do Ministério da Educação, foi uma das responsáveis por liderar as discussões da BNCC (Base Nacional Curricular Comum).
Em 2017, a primeira rodada de discussões ocorreu na Universidade Yale, nos Estados Unidos, buscando um ambiente neutro. Quando a proposta foi para votação no Congresso, ela retirou a linguagem LGBT+ para conseguir manter o progresso da votação, apesar de ser a favor da inclusão.
“Isso ilustra tanto o fato de quem toma a decisão ser parte do problema quanto, por extensão, a probabilidade de a liderança talvez precisar ser sacrificada para o avanço poder continuar”, afirma o autor.
Em entrevista para o Ideacast, podcast da Harvard Business Review, ele diz que, ao longo de sete anos como diretor do programa de mestrado em políticas públicas de Oxford, encontrou-se com cerca de mil líderes de mais de 150 países, como EUA, China, Rússia, Ucrânia, Israel, Palestina, Índia e Paquistão.
Essas pessoas têm perspectivas completamente diferentes e até antagônicas sobre qual o propósito do governo. Com objetivo de fortalecer essas lideranças para uma “maior capacidade de construir coalizões improváveis entre todas as fraturas do mundo”, promoveu um curso para analisar desafios e propor soluções em sala de aula.
A partir dessas lições, nasce o livro “A Era da Indignação”, obra baseada em dez estudos de caso.
A era da indignação: Como liderar em um mundo polarizado
Preço R$ 79,90 (224 págs.); R$ 39,90 (ebook)
Autoria Karthik Ramanna
Editora Objetiva
Tradução Fernanda Abreu