Uma nova e sofisticada modalidade de estelionato tem ganhado força em Goiás, principalmente em Goiânia e Aparecida de Goiânia: fraudes envolvendo a venda e consignação de veículos. Os criminosos usam lojas físicas luxuosas, com aparência confiável e carros importados à mostra, para atrair vítimas e aplicar golpes milionários. A prática tem alarmado advogados, empresários e consumidores.

A advogada Josicleide do Carmo Pereira, da Comissão de Direito do Consumidor da OAB-GO, representa sete vítimas, mas afirma que o número real de prejudicados é bem maior. “Essas quadrilhas usam CNPJs recém-abertos e operam com fachadas sofisticadas. O cliente entrega o carro e desaparecem com o dinheiro. Depois alegam que a negociação foi feita por um sócio que já não está mais na empresa”, explica.

Segundo Josicleide, o golpe acontece principalmente em dois formatos de consignação: o físico, quando o veículo é deixado na loja, e o digital, quando ele permanece com o dono, mas é anunciado pela empresa. Em ambos os casos, a fraude ocorre no momento da venda: o carro é transferido para terceiros e o proprietário original não vê a cor do dinheiro.

Caso Meta Agency: símbolo da fraude no setor

O episódio mais emblemático de 2025 envolve a Meta Agency, loja de veículos de luxo situada no Setor Bueno, em Goiânia. Seus sócios, Maycon Batista Marra e Daniele Gomes Brandão Marra, estão presos, suspeitos de estelionato e associação criminosa. A loja é alvo de pelo menos 71 processos, com mais de 100 clientes lesados.

O golpe funcionava assim: os carros eram vendidos rapidamente — muitas vezes abaixo do valor de mercado — e o dinheiro prometido aos donos nunca era repassado. A investigação, iniciada em Aparecida de Goiânia, hoje está sob responsabilidade do 4º Distrito Policial de Goiânia.

Empresário perdeu quase R$ 600 mil em transação

O empresário Luiz Antônio Nogueira é uma das vítimas mais lesadas até agora. Ele entregou um Porsche Macan e uma Mercedes-Benz GLC 250, avaliados juntos em quase R$ 600 mil, à loja Imports, na Avenida T-63. O responsável pela negociação foi o ex-sócio Vinícius Luiz Assis de Freitas, que prometeu pagamento com cheques sem fundos.

Ao tentar reaver os veículos, Luiz descobriu que eles já estavam com a Meta Agency. Um deles foi revendido em menos de 24 horas, por valor inferior ao combinado. A advogada Fernanda Souza Silva, que representa Luiz, acredita que as duas lojas agiam em conjunto. “Os donos da Meta foram funcionários da Imports. A velocidade da revenda e os valores abaixo do mercado indicam conluio”, diz.

A Mercedes foi recuperada por ordem judicial. O Porsche continua bloqueado até o desfecho do processo.

Loja Imports se defende e aponta ex-sócio como culpado

A Imports afirma ser vítima de seu ex-sócio. Os atuais responsáveis, Edmar de Camargo Gomes e Alexandre Arantes Bisonotto, dizem que tomaram providências assim que identificaram irregularidades e expulsaram Vinícius da sociedade. “Fomos os primeiros a denunciá-lo. Estamos negociando acordos com os clientes lesados”, garante Edmar.

Já o advogado da Imports, Alexandre Lourenço, afirma que a empresa não pode ser responsabilizada por atos individuais de Vinícius e que trabalha para resolver os casos. “Os processos cíveis estão sendo tratados individualmente, com propostas de acordo”, diz.

Golpe sofisticado, punição branda

Para a advogada Fernanda Silva, o cenário é preocupante. “Esses crimes não envolvem violência física, mas causam prejuízos imensos. A legislação atual é branda com estelionatários. Muitos golpistas continuam soltos, com empresas ativas e patrimônio blindado”, alerta.

Ela explica que em um dos processos foi determinado o bloqueio de 30 contas bancárias, mas juntas elas somavam apenas R$ 900. “O dinheiro já havia sido desviado. E mesmo com investigações em curso, a Meta continuou funcionando por semanas”, lembra.

Mercado desacreditado

Empresários do setor denunciam o impacto direto desses escândalos na confiança dos consumidores. Joel Pereira de Macedo, da Nova Multimarcas, loja com 20 anos de atuação em Goiânia, afirma que a crise atingiu todos os lojistas: “O cliente fica com medo. Mas quem tem nome limpo e reputação sólida acaba sendo mais procurado”.

Joel evita trabalhar com veículos em consignação por considerá-lo um sistema vulnerável. “Esses golpistas cobram comissão baixa para atrair clientes. Mas é aí que mora o risco.”

Outro lojista, que preferiu não se identificar, relatou queda nas vendas após a repercussão dos golpes. “Os clientes sumiram. Mesmo empresas sérias estão pagando o preço da desconfiança.”

Dicas para evitar cair em fraudes

As advogadas recomendam atenção redobrada ao negociar veículos, mesmo com lojas bem estabelecidas:

  • Não transfira o carro antes de receber o valor integral.
  • Peça assinatura de todos os sócios nos contratos.
  • Solicite nota fiscal de entrada e faça checklist do veículo.
  • Pesquise o CNPJ, histórico da empresa e converse com comerciantes da região.

Josicleide finaliza com um alerta duro: “No Brasil, o estelionato compensa. O prejuízo é da vítima, a punição é leve e a Justiça tarda. Por isso, precisamos denunciar e tornar esses casos públicos. Só assim conseguimos proteger outros consumidores.”