FOLHAPRESS – Quase seis anos depois, o jogo do carteiro do apocalipse que antecipou os desafios da pandemia retorna com uma sequência tão ousada quanto irregular. Sob a batuta do designer Hideo Kojima, de “Metal Gear Solid”, aquele mundo em frangalhos de 2019 agora se afasta um pouco de seu lado contemplativo em favor de uma ação frenética e uma trama densa que pouco impressionam.
Em “Death Stranding 2: On the Beach”, novo título exclusivo do PlayStation 5, o protagonista Sam Bridges criado digitalmente a partir do ator Norman Reedus agora vive com sua filha Lou em um esconderijo na fronteira sul dos Estados Unidos. Após reconectar o país da costa leste a oeste em uma espécie de internet sobrenatural no game anterior, ele decide descansar e criar a criança.
Acontece que o fenômeno que dá nome ao jogo ainda não terminou e outros países também foram devastados depois que a morte parou de ocorrer como esperado. No tal “death stranding”, os mortos ficam encalhados em uma espécie de limbo que produz projeções sinistras deles mesmos e distorções climáticas no mundo dos vivos.
Capaz de perceber essas criaturas, Sam foi o escolhido para reconectar uma humanidade recolhida em bunkers. Desta vez, ele precisa voltar à ativa para uma última entrega que acaba não saindo como o esperado. Lou é atacada por uma seita de robôs, e seu pai segue rumo ao México e à Austrália em busca de respostas.
As ideias narrativas do jogo ainda ecoam a epígrafe do primeiro, uma citação de um conto do escritor japonês Kobo Abe autor de “A Mulher das Dunas” sobre as ferramentas mais antigas da humanidade. De um lado, a corda é usada para atrair o que é bom. De outro, o bastão, para afastar o que é ruim.
A corda de 2019 dá lugar nesta sequência ao bastão que tanto desperta o luto, no caso de Sam, como resolve os novos problemas desse mundo conectado. Se o primeiro jogo mirou na divisão social causada pela polarização e acabou acertando no isolamento durante a Covid-19, neste vemos como a esperança de uma rede interligada pode também virar um pesadelo quando operada por interesses escusos.
Com Hideo Kojima, no entanto, uma alegoria não pode sair barata. Há um excesso de informação o tempo todo que atrapalha a imersão, e as dezenas de conceitos fabricados na minúcia não ajudam a enriquecer um mundo autoevidente já rico em seu mistério.
Esse esgotamento narrativo permeia uma jogabilidade idêntica ao original, baseada em atravessar terrenos hostis para entregar cargas aos novos integrantes dessa pós-internet em construção. É nesse aspecto que o jogo mostra um caminho, ao entender a virtude da movimentação em um espaço virtual, um dos poucos prazeres exclusivos aos videogames.
Situações particulares como equilibrar-se em declives enquanto carrega dezenas de quilos nas costas, construir uma rodovia colaborativa com jogadores desconhecidos ou apreciar biomas recriados em 3D que lembram “Stalker”, o clássico de Andrei Tarkóvski, continuam sendo a engrenagem, mas já não têm muito mais a dizer. Não é o mesmo tipo de reciclagem que funciona em jogos como “Elden Ring” e “The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom”.
Mas há melhorias objetivas no ritmo da progressão e nos detalhes gráficos, graças ao poder do Playstation 5. Exemplo disso são os vários amigos hollywoodianos do diretor que tiveram rugas e poros transpostos com exímio para a nova mídia. Também aparecem em corpo Léa Seydoux, Guillermo del Toro, Elle Fanning e George Miller, entre outros.
Cinéfilo desde “Snatcher”, de 1988, seu ótimo pastiche de “Blade Runner”, Kojima faz uma salada com um elenco que provavelmente jamais se reuniria senão pela impessoalidade das renderizações.
A própria ambientação na Austrália é uma piscadela pouco sutil ao criador de “Mad Max”. Cenas de destruição no deserto que remetem à franquia também são acompanhadas por missões secundárias que colocam o jogador no cenário neon de “Tron” ou nos filmes de ação de Hong Kong há até números musicais desta vez.
É improvável que dessa mistura não saia algo ao menos estranhamente divertido. Mas também é improvável que a mensagem que Kojima quer passar de que conexões também implicam em violência se perca, desta vez em um discurso pacifista que passa ao largo de seu auge com “Metal Gear Solid 2”, de 2001.
Sendo Kojima no fim das contas um autor esforçado, resta um jogo corajoso que tem no tédio das andanças sua maior arma, mas deixa passar uma boa oportunidade de ser tão memorável quanto seus trabalhos anteriores, incluindo o próprio “Death Stranding”.
DEATH STRANDING 2: ON THE BEACH
– Avaliação Bom
– Preço R$ 399,90
– Classificação 18 anos
– Produção Kojima Productions
– Publicadora PlayStation Studios
– Plataforma PlayStation 5