SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A abertura de três vagas para advogados pelo quinto constitucional no TJ-SP (Tribunal de Justiça em São Paulo) reacendeu o debate, entre entidades que abordam a temática racial, sobre o grau de efetividade das ações em prol da diversidade no Judiciário.
Embora afirme que avanços recentes foram essenciais, a Anan (Associação Nacional da Advocacia Negra) usa a oportunidade de três vagas simultâneas na corte para solicitar uma postura pró-ativa da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo) para que ao menos uma seja ocupada por uma pessoa negra.
A entidade sugeriu à ordem a formação de três listas sêxtuplas (ou seja, de seis nomes) pensadas a partir do viés racial. Enquanto duas delas teriam mulheres ou homens brancos, uma terceira seria formada apenas por pessoas negras, garantindo assim que ao menos uma das vagas ficasse com esse grupo.
O pedido faz referência a um edital publicado em abril, cuja proposta é preencher as vagas deixadas no TJ-SP pela aposentadoria dos desembargadores Cesar Ciampolini Neto, Luiz Edmundo Marrey Uint e Maria Cristina Zucchi.
O edital segue resolução assinada em fevereiro pelo presidente da OAB-SP, Leonardo Sica, que prevê que 50% dos candidatos que vão compor a lista sêxtupla sejam mulheres. Do ponto de vista racial, a previsão é a de que ao menos 30% sejam negros (pretos ou pardos).
Como são três vagas, haverá a formação de três listas sêxtuplas, com um total de 18 candidatos. Elas serão encaminhadas ao TJ-SP, que deverá formar três listas tríplices a serem enviadas ao poder Executivo estadual, a quem cabe a escolha dos três nomes.
Para a Anan, a montagem de uma lista composta apenas por pessoas negras poderia garantir um avanço concreto de diversidade dentro do tribunal.
“Esse modelo [proposto pela Anan] mantém os 18 nomes que comporão as três listas sêxtuplas, sem qualquer exclusão, e assegura que a diversidade racial não seja apenas um critério formal na composição das listas, mas um fator determinante no processo de nomeação final”, aponta a entidade em carta aberta enviada em março à OAB-SP.
Para o presidente da Anan, Estevão Silva, a medida seria essencial para fazer valer movimentação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) a favor da igualdade racial, apontada em resoluções como a de nº 203, de junho de 2015, que prevê a reserva aos negros de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e de ingresso na magistratura.
A discussão é especialmente importante ao levar em consideração a baixíssima porcentagem de magistrados negros no tribunal, diz Estevão. Segundo dados do CNJ, apenas 7 de 389 desembargadores do TJ-SP se declaram negros (um preto e seis pardos). Em porcentagem, isso representa 1,8%. Os desembargadores brancos são 97,2%.
O resultado vai na contramão da realidade racial da população de São Paulo. De acordo com o Censo 2022, 41% da população do estado se declara preta ou parda.
A proposta de uma lista só com pessoas negras, porém, foi rejeitada pelo presidente da OAB-SP, segundo a Anan. De acordo com a entidade, Sica falou que a medida poderia suscitar discussão sobre ser inconstitucional.
A Anan contesta e, como argumento, cita decisão recente do STF (Supremo Tribunal Federal) de fazer duas listas, uma delas exclusivamente de mulheres, para duas vagas no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Segundo a ministra Cármen Lúcia, o objetivo é evitar uma corte exclusivamente masculina.
“Eu falei assim: ‘Se a ministra [Cármen Lúcia] está pedindo isso e não é inconstitucional, por que seria para os advogados negros?’ “, diz Estevão. Segundo ele, a decisão do STF, tomada dois meses depois de a Anan fazer solicitação similar à OAB-SP, reforça a factibilidade da medida.
Ele lembra que, assim como o CNJ tem falado sobre a importância de garantir igualdade de gênero, também há resoluções a favor da equidade racial.
Por isso, Estevão diz esperar que a OAB-SP possa reconsiderar a possibilidade de formação de uma lista exclusiva para negros ainda neste concurso, motivada pelo fato incomum de haver três vagas abertas simultaneamente.
Para Tainah Pereira, coordenadora política do MND (Mulheres Negras Decidem) e mestre em ciência política pela Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), a demanda da Anan é plausível em um cenário no qual conquistas recentes de ações afirmativas no Judiciário ainda não são suficientes para superar a desigualdade.
Ela também compara a possibilidade de uma lista só de pessoas negras com a iniciativa recente do STF a favor de uma lista exclusiva de mulheres. “Estamos falando de duas questões estruturais do país, racismo e machismo. Não vejo por que não seria legítima também uma lista só com advogados negros”.
A reportagem questionou a OAB-SP sobre a negativa à solicitação da Anan. Em nota enviada à Folha, a seccional não citou o pedido da entidade nem falou sobre a possível inconstitucionalidade do pedido.
A seccional afirmou que “tem a equidade racial e a diversidade como pilares institucionais”. Disse ainda que a política está presente na formação diretiva da instituição, dentre outras ações, e que foi pioneira na implementação de critérios de equidade racial na formação das listas sêxtuplas.
“Neste processo, as listas selecionadas pela OAB SP, que garantem a participação de pessoas negras no processo, são encaminhadas para análise e escolha final pelos poderes Judiciário e Executivo.”
A Folha também perguntou ao TJ-SP e ao governo estadual se vão considerar critérios raciais na hora de escolher os novos integrantes do tribunal. A corte afirmou que “não se manifesta de antemão a respeito dos critérios de escolha dos candidatos, mesmo porque a votação é ato individual dos integrantes do Órgão Especial e a nomeação é feita pelo Governo do Estado”.
A gestão do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), não respondeu à reportagem.
Para Douglas Leite, professor da Faculdade de Direito da UFF (Universidade Federal Fluminense) e estudioso da temática racial, a proposta da Anan é constitucional.
Ele afirma que propostas do tipo são importantes porque, mesmo com ações afirmativas recentes, o quadro ainda é de dificuldade na inserção de negros em vários setores, inclusive no Judiciário.
“Políticas públicas avançam sempre respondendo aos limites do seu próprio desenho. Tem-se demonstrado que não avançam se novas formas de execução não forem pensadas dentro de sua viabilidade”, diz.