BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, confirmou que o tribunal decidiu manter aberto o inquérito das milícias digitais, que mira o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados.
“O problema são os fatos que se multiplicam e, portanto, levaram à prorrogação. Descobriram-se coisas novas”, declarou. A Folha revelou em junho que o inquérito seria mantido em 2026.
Barroso afirmou nesta quinta-feira (3) ao C-Level Entrevista, videocast semanal da Folha, que havia acertado com o ministro Alexandre de Moraes o encerramento do inquérito, mas os planos mudaram porque novas revelações teriam levado à necessidade de mais apurações. Segundo o ministro, o que provoca tensão atualmente não é a investigação, mas o julgamento da trama golpista.
Na entrevista, o presidente do STF declarou que não cabe discutir anistia para acusados da trama golpista antes de uma eventual condenação.
“Em linha de princípio, anistia é uma competência do Congresso Nacional”, disse ele, ressaltando que o STF poderia vir a analisar alguma medida eventualmente aprovada pelo Parlamento. Alguns colegas do ministro veem uma anistia como inconstitucional.
Barroso comentou ainda o que seria um excesso de judicialização, que leva questões políticas com frequência ao Supremo. Ele disse considerar “razoável” uma discussão para limitar o acesso de partidos menores ao tribunal, “para dar mais representatividade a essas demandas”.
O ministro concedeu a entrevista de Portugal, onde participa do Fórum de Lisboa, conhecido como “Gilmarpalooza”.
Ele disse haver uma “percepção equivocada” sobre a atuação de ministros em eventos com a participação de empresários. “Quando eu converso com os indígenas ou os quilombolas, não tem nenhum problema. Quando eu converso com empresários, as pessoas levantam todo tipo de suspeitas.”
**INQUÉRITO DAS MILÍCIAS DIGITAIS**
O ministro Alexandre [de Moraes] e eu havíamos conversado e tínhamos a ideia de que o inquérito pudesse terminar no final do ano passado ou no início desse. O problema são os fatos, que se multiplicam e portanto levaram efetivamente à provocação [do Supremo].
**JULGAMENTO DA TRAMA GOLPISTA**
O grande problema, que cria ainda um ambiente menos pacificado no país, [é] o julgamento de uma suposta tentativa de golpe, que, se tiver ocorrido, se as provas confirmarem, a gente tem que julgar mesmo, porque é preciso encerrar esses ciclos da história brasileira em que quem perdia dava golpe.
**ANISTIA PELO 8 DE JANEIRO**
Em relação ao 8 de Janeiro, eu mesmo apoiei a modificação da legislação para reduzirem-se as penas e quase todos serem soltos. Na votação, eu votei vencido. Não acumulei [condenações pelos crimes de] golpe de Estado com abolição violenta do Estado de Direito. Eu dei penas menores dos que as que prevaleceram. E agora há um projeto sendo discutido no Congresso para fazer prevalecer esse entendimento.
**ANISTIA NA TRAMA GOLPISTA**
Eu não gosto de especular sobre o que não aconteceu. O único comentário que eu faria, em tese, é que a anistia geralmente vem depois que existe alguma punição. Anistia antes da punição eu acho que não tem precedente.
Portanto, essa discussão, se a anistia é legítima ou não, deve ser uma discussão pós-eventual condenação. Antes de eventual condenação, eu acho que essa não é uma discussão própria.
O Supremo, ao contrário até do que se difunde, costuma ser deferente para com as escolhas políticas do Congresso Nacional, inclusive a anistia política que se deu a torturadores e representantes da ditadura, embora seja um tema polêmico, o Supremo validou na ocasião, considerando que era uma decisão política legítima do Congresso Nacional.
Eu não estou antecipando um julgamento sobre eventual futura anistia, porque depende muito de outras circunstâncias, mas em linha de princípio a anistia é uma competência do Congresso Nacional.
**GILMARPALOOZA E PROXIMIDADE COM EMPRESÁRIOS**
Eu recebo os representantes dos quilombolas, e ainda recentemente fui no Quilombo dos Palmares, assim como fui a Xapuri, no Acre, assim como fui a Humaitá, na Amazônia, assim como fui a Altamira, fui a Rio Branco, fui a Porto Velho. Isso não é notícia. Quando eu venho a Lisboa, é notícia.
Existe um grande preconceito no Brasil contra a livre iniciativa, porque, quando eu converso com os indígenas ou com os quilombolas, não tem nenhum problema. Quando eu converso com empresários, as pessoas levantam todo tipo de suspeitas. E os empresários são concorrentes entre si, não é homogeneidade. Eu acho que é uma percepção injusta do que acontece.
Imagem do STF
Houve um aumento expressivo da judicialização no Brasil de uma maneira geral, tanto no Supremo como nas instâncias inferiores. O Judiciário passou a ser um poder mais relevante na vida brasileira, que desagrada mais gente e que, portanto, virou alvo de mais críticas e de mais insatisfações.
Parte das críticas são justas, e a gente precisa melhorar. E outras são injustas e vêm como consequência de uma certa má vontade dos interesses que são contrariados.
Mas a gente julga questões que contrapõem agronegócio e comunidades indígenas. Um dos dois lados vai ficar insatisfeito. A gente julga questões tributárias, o governo ou o contribuinte fica insatisfeito. Todo mundo vocaliza a sua insatisfação.
Eu não me impressiono muito com pesquisas de opinião pública que criticam o Judiciário, porque a importância de um tribunal não pode ser aferida mesmo em pesquisas de opinião pública. A gente interpreta a Constituição e com frequência desagrada muita gente.
**RESPONSABILIDADES DAS BIG TECHS**
Eu considero que [o resultado do julgamento do Marco Civil da Internet] é, talvez, é o melhor tratamento jurídico que há desse tema no mundo.
**ACESSO DE PARTIDOS AO SUPREMO**
Você tem uma quantidade imensa de atores que podem provocar o Supremo, o que inclui todos os partidos políticos, inclui a Mesa da Câmara, a Mesa do Senado, o presidente da República, o procurador-geral da República, todas as entidades de classe de âmbito nacional, todas as confederações sindicais e a Ordem dos Advogados do Brasil […] Acho que há em tramitação uma proposta que limita, em relação aos partidos políticos, um mínimo de representantes no Congresso. Isso me parece razoável para dar talvez mais representatividade a essas demandas.
**PERMANÊNCIA NO SUPREMO**
Olha, eu estou tão feliz no Supremo. Saiu uma notícia de que eu iria para alguma embaixada. Não é correta essa notícia. Eu não tenho nenhuma pretensão de ir para uma embaixada. Eu tenho cumprido o meu papel no Supremo da melhor forma que eu posso.
Não pretendo ir para nenhuma embaixada e posso ficar [no STF] até os 75 anos. Estou longe disso.
Quando a minha mulher estava viva e estava doente, eu realmente compartilhei com pessoas amigas que eu pensava em me aposentar depois da presidência para aproveitar a vida que ela tinha. Infelizmente, ela foi embora e essa motivação eu já não tenho. Então, não sei. Eu posso ficar até os 75 anos, vamos ver.