WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – O Congresso dos Estados Unidos aprovou o projeto de lei orçamentário e tributário encaminhado pelo presidente Donald Trump, considerado um dos marcos do segundo mandato do republicano.

Apelidada de “grande e bonito projeto de lei”, a proposta será usada tanto por democratas como por republicanos para conseguir votos nas eleições de meio de mandato do ano que vem, que poderá alterar a composição do Congresso, hoje com maioria do partido de Trump.

O texto foi aprovado pela Câmara dos Representantes dos EUA nesta quinta-feira (3) por 218 votos a 214, depois de o Senado tê-lo chancelado na terça-feira (1º) pela margem estreita de 51 a 50. O projeto será sancionado por Trump e transformado em lei nesta sexta-feira (4), dia da Independência do país, numa cerimônia no final da tarde na Casa Branca.

Segundo o Escritório de Orçamento do Congresso dos Estados Unidos, a legislação acrescentará US$ 3,3 trilhões à dívida do país na próxima década. Entre outros pontos, a proposta suspende impostos, incrementa recursos para a política de imigração de Trump no esforço de deportar estrangeiros e amplia o gasto com defesa.

O texto foi alvo de discussão tanto no Senado como na Câmara por causa do alto preço da lei e de cortes substanciais no programa de saúde Medicaid, usado pelos americanos mais pobres e com deficiências. Teve também a oposição declarada do bilionário Elon Musk, crítico do excesso de gastos. O presidente precisou atuar ao longo da semana para convencer integrantes do próprio partido a apoiar a legislação.

A aprovação nesta quinta atende a um pedido de Donald Trump, que havia estipulado que a aprovação deveria ocorrer até 4 de julho.

O projeto fiscal é uma prioridade para Trump por implementar bandeiras de sua campanha de 2024, como acabar com a cobrança de impostos sobre gorjetas e pagamento de horas extras. Também viabiliza a contratação de mais de 10 mil agentes do ICE (órgão de imigração americano), para atingir a meta de 1 milhão de deportações por ano, segundo a secretária de Imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt. Ainda incentiva a produção de combustíveis fósseis, alterando política anterior de Joe Biden.

Momentos após a aprovação, Leavitt afirmou se tratar de uma “vitória para o povo americano”. Democratas, por sua vez, apostam numa repercussão negativa da medida, e vão explorar os cortes na alimentação e saúde, para tentarem recuperar a maioria na Câmara na eleição do ano que vem.

Um dos desafios de Trump agora será justamente promover a lei e pintá-la como geradora de emprego e um estímulo à economia olhando para o pleito de 2026 que pode mudar as forças no Legislativo. Não está descartado que ele faça isso em viagens pelo país. Nesta quinta, o republicano aproveitará uma viagem a Iowa para enaltecer o projeto.

Os democratas se uniram em oposição ao projeto de lei, dizendo que suas isenções fiscais beneficiam desproporcionalmente os mais ricos, ao mesmo tempo em que cortam serviços dos quais os norte-americanos de baixa e média renda dependem.

O deputado Hakeem Jeffries, líder da minoria democrata, chegou a discursar por 8 horas e 45 minutos para tentar atrasar a aprovação do projeto. Ele bateu o recorde de discurso mais longo da história da Câmara.

Membros conservadores do partido Republicano também resistiam ao projeto, alegando que ele não corta suficientemente os gastos e aumenta em US$ 5 trilhões o teto da dívida do país. O assunto deve ser abordado pelo parlamentares nos próximos meses, sob risco de um calote na dívida de US$ 36,2 trilhões. Por fim, apenas dois republicanos votaram contra a medida.

Republicanos disseram no Congresso que Trump teria oferecido contrapartidas para que eles votassem, como garantias de que cortes no Medicaid não afetariam a população de seus distritos durante a implementação.

Um funcionário sênior da Casa Branca, porém, disse que o governo agiu para detalhar o projeto e sua implementação e afastar temores de que seria prejudicial à população. Este integrante do governo disse ter perdido as contas de quantas ligações e encontros Trump teve com parlamentares na última semana.

Para convencer os republicanos dissidentes, o presidente da Casa, Mike Johnson, os cobrou para que acabassem com uma tentativa de rebelião contra o projeto presidencial e aprovassem o texto.

“Vocês já estão cansados de vencer?”, questionou Johnson. “Temos um governo que é responsável e que presta contas ao povo mais uma vez”, afirmou o republicano, enquanto elogiava os cortes de impostos do projeto e o dinheiro para reforçar a segurança na fronteira, duas das promessas de campanha de Trump.

Na votação, dois republicanos votaram contra o projeto, já que o partido tem 220 deputados contra 212 democratas. Os opositores foram Thomas Massie, de Kentucky, e Brian Fitzpatrick, da Pensilvânia

A legislação estende vastos cortes de impostos da primeira administração de Trump, pagos em parte por cortes acentuados no Medicaid e outros programas de assistência social.

O projeto também revogará créditos fiscais da era Biden para energia limpa, enquanto aumenta o investimento nas forças armadas e fundos para a repressão de Trump à imigração.

Jeffries chamou o projeto de “grande e feio” -em contraposição ao apelido de “grande e bonito” dado por Trump ao projeto- e disse que ele terá consequências devastadoras. “É o projeto da corrupção”, afirmou o democrata.

O Senado havia aprovado a medida na terça-feira após o vice-presidente JD Vance dar o voto decisivo na aprovação por 51 votos a 50.

MANDATO CHEIO DE POLÊMICAS

O resultado desta quinta-feira encerra um início tumultuado do segundo mandato de Trump. O presidente implementou tarifas abrangentes, anunciou restrições amplas à imigração e fortaleceu o poder Executivo.

Na política externa, ele lançou ataques aéreos contra instalações nucleares do Irã, mas teve dificuldades para alcançar os acordos de paz que prometeu em Gaza e na Ucrânia.

Mas para garantir a votação, o presidente precisou pressionar os republicanos preocupados com o impacto do projeto na dívida nacional e na provisão de saúde, atacando ferozmente os membros da Câmara que se opuseram a ele.

O presidente teve que superar uma campanha para impedir a legislação liderada pelo bilionário Elon Musk, que financiou sua campanha eleitoral, mas rompeu com ele no mês passado.

Musk disse que investiria dinheiro em campanhas eleitorais para destituir republicanos que apoiam legislação que poderia adicionar trilhões de dólares à dívida nacional.

Trump manteve o discurso que os cortes de impostos do projeto entregarão uma nova era de alto crescimento. No entanto, o maior impacto fiscal de curto prazo da legislação virá da prevenção de um aumento automático nos impostos de renda que entraria em vigor em 2026.

O índice do dólar americano caiu constantemente desde que Trump assumiu o cargo em janeiro, refletindo o nervosismo dos investidores sobre déficits mais altos. Mas os preços das ações dos EUA se recuperaram desde uma queda em abril desencadeada pelos planos agressivos de tarifas de Washington.

Apesar das críticas sobre o impacto fiscal do projeto por parte de alguns no mundo corporativo americano, grupos empresariais dos EUA apoiaram amplamente a legislação devido às extensões de cortes de impostos.

No entanto, grupos de energia limpa serão afetados por cortes de subsídios. Hospitais que atendem comunidades de baixa renda dependentes de cuidados de saúde do governo também devem ser afetados negativamente.

Trump, que apresentou a aprovação do projeto como um presente do Dia da Independência dos EUA, planeja realizar um comício na quinta-feira em Des Moines, Iowa, o estado do Meio-Oeste onde ele obteve vitórias iniciais em suas bem-sucedidas campanhas presidenciais de 2016 e 2024.

PRINCIPAIS MEDIDAS DA LEI ORÇAMENTÁRIA DE TRUMP

IMPOSTOS

– Os cortes no imposto de renda aprovados durante o primeiro mandato de Trump (2017-2021) tornam-se permanentes.

– São oferecidas novas deduções fiscais para gorjetas e pagamento de horas extras, uma das grandes promessas de campanha de Trump, mas apenas até 2028.

– Permite que as empresas deduzam os investimentos em pesquisa e desenvolvimento.

– Quadruplica temporariamente a dedução feita pelo governo federal em alguns impostos estaduais e locais.

MEDIDAS CONTRA A IMIGRAÇÃO

– US$ 46,5 bilhões (R$ 252 bilhões) para infraestrutura das fronteiras, para continuar com a construção de um muro separando os Estados Unidos e o México, entre outros.

– US$ 45 bilhões (R$ 243,9 bilhões) para construir um centro de detenção de imigrantes com 100 mil camas.

– Mais fundos para contratar 10 mil agentes para o Serviço de Imigração e Controle de Aduanas (ICE).

CORTES EM ENERGIA LIMPA

– Elimina os créditos fiscais para energias limpas previstos na Lei de Redução da Inflação, promovida por seu antecessor, o democrata Joe Biden.

– Extingue os subsídios federais para projetos de energia eólica e solar se não entrarem em operação antes de 2028 ou se sua construção começar mais de um ano após a promulgação da lei.

– Encerra o benefício fiscal de US$ 7.500 (R$ 40,6 mil) para compra de veículos elétricos.

LIMITE DE ENDIVIDAMENTO

– Aumenta em US$ 5 trilhões (R$ 27,1 trilhões) o limite de endividamento do país, um dos pontos que mais causou conflitos com os defensores da ortodoxia fiscal de seu partido.

SAÚDE E ASSISTÊNCIA SOCIAL

– Restringe o acesso à saúde e à assistência social, particularmente ao programa de seguro médico Medicaid e ao de assistência alimentar Snap.

– Exige que pessoas sem deficiência, menores de 65 anos e sem filhos pequenos, trabalhem pelo menos 80 horas por mês para ter direito ao Medicaid ou Snap.

SAÚDE FEMININA

– Bloqueia por um ano o financiamento federal ao Planned Parenthood, organização de planejamento familiar acusada por setores conservadores de ajudar mulheres a abortar.

OUTRAS DISPOSIÇÕES

– Cria as “Contas Trump”, depósitos bancários onde o Estado coloca US$ 1.000 (R$ 5.420) para cada recém-nascido.

– US$ 25 bilhões (R$ 135,5 bilhões) para o “Domo de Ouro”, o projeto de defesa antimísseis do presidente.

– Os programas espaciais recebem US$ 10 bilhões (R$ 54,2 bilhões), sobretudo para o projeto de chegar a Marte, e US$ 325 milhões (R$ 1,7 bilhão) para retirar de órbita a Estação Espacial Internacional (ISS).

– Cria um novo imposto para universidades com maior capital.