SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um dia antes de ouvir Volodimir Zelenski pedir a volta do envio de armas vitais à defesa da Ucrânia, suspenso pelos Estados Unidos sob a alegação de baixos estoques, o presidente Donald Trump resolveu ter uma conversa de cerca de uma hora com Vladimir Putin nesta quinta (3).

Nela, segundo o relato inicial do Kremlin, ouviu o russo reiterar seus termos para pôr fim à guerra com o vizinho e reabriu as negociações diretas para normalizar relações com Moscou. Elas haviam sido congeladas pelos EUA.

O roteiro reitera a posição pró-Moscou adotada por Trump desde que voltou à Casa Branca. Segundo o assessor presidencial russo Iuri Uchakov, o republicano voltou a dizer que espera um fim rápido para o conflito que destroça a Ucrânia desde 2022, mas parece ter ouvido o usual de Putin.

O presidente russo, disse Uchakov, afirmou que o conflito só acaba quando ele atingir seus objetivos. A considerar a lista por escrito dada a Kiev na última vez em que negociadores rivais sentaram-se à mesa, que pede de cessão territorial à realização de eleições na Ucrânia, isso pode demorar.

Além disso, os líderes falaram sobre o Irã. Putin voltou a defender uma solução negociada para a questão do programa nuclear do aliado, que foi alvejado em uma guerra inédita de Israel e dos EUA.

A quinta havia começado algo promissora para Zelenski, com a notícia divulgada pelo jornal britânico Financial Times de que Trump iria conversar com ele. Durou pouco, com a Casa Branca e o Kremlin divulgando que haveria antes o telefonema entre os presidentes.

Na pauta do ucraniano estava o congelamento do envio de mísseis de defesa aérea Patriot e modelos ar-ar para caças F-16, além de bombas guiadas de precis ão. São itens de primeira necessidade para Kiev e, embora não seja descabida a justificativa do Pentágono acerca de seus estoques, a notícia causou apreensão na Ucrânia.

A guerra aérea tem recrudescido, com Moscou lançando seu maior ataque do tipo no domingo (29). Além disso, Putin tem avançado em solo, com conquistas importante no leste e sul do país invadido, o que leva à suspeita de que está enrolando Trump para melhorar sua posição no campo de batalha antes de negociar de fato.

Zelenski disse que precisa do material americano, já que os aliados europeus não têm o equivalente nem em quantidade, nem disponível. Logo depois, ainda tentou agradar Trump ao voltar a dizer que está pronto para conversar com Putin —algo que o russo descarta agora.

Na semana passada, o americano havia se encontrado com Zelenski na cúpula da aliança Otan e dito que estudaria o envio de mais armas a Kiev. Ato contínuo, anunciou a suspensão, que o Departamento de Defesa disse não ser para todo tipo de ajuda ou permanente, o que não alivia muito a situação. Agora é ver qual será sua atitude na conversa desta sexta (4).

No fim do governo Joe Biden, houve uma aceleração no envio, com R$ 174 bilhões em armas e logística entregues a Kiev de outubro a dezembro de 2024. De janeiro a março, foram R$ 3,2 bilhões, e depois, nada de novo.

Segundo o Instituto para Economia Mundial de Kiel (Alemanha), com dados até o 30 de abril, a Europa forneceu R$ 171 bilhões no período. Os EUA lideram o apoio militar até aqui à Ucrânia, com R$ 416 bilhões em armas.

Esta é a quinta conversa telefônica conhecida entre os líderes desde que Trump assumiu, em janeiro, e mudou o norte da política americana para a guerra. Saiu o apoio incondicional a Kiev à abertura direta a Putin, a quem o presidente americano chamou de forma elogiosa recentemente de “o chefe”.

Mais que isso, o republicano comprou o ponto de vista russo da origem do conflito, a ideia de que a Ucrânia seria absorvida pela aliança militar ocidental, a Otan. Ainda assim, jogou no seu tradicional vaivém negocial ao lidar com Putin.

Temperou a abertura com falas mais duras e ameaças de sanções mais duras contra Moscou, além do congelamento ora revertido de conversas diretas entre as partes acerca da relação bilateral. Segundo o manual Trump de negociar, isso abriria espaço para concessões.

Até aqui, só arrancou de Putin duas rodadas de conversas diretas com Kiev, via emissários, que resultaram em trocas de prisioneiros e corpos de soldados caídos em batalha. Mas a porta seguiu aberta, como o telefonema desta quinta prova, e Uchakov disse que as reuniões serão retomadas em Istambul.

A primeira conversa entre os dois nesta encarnação do republicano na Casa Branca foi em 12 de fevereiro, uma semana antes do encontro inaugural entre delegações russa e americana na Arábia Saudita. A conversa mais longa foi no dia 18 de março, durando cerca de duas horas e meia.

MARINHA RUSSA PERDE CHEFE MILITAR E CANCELA PARADA

Em campo, a violência continua. Ao menos duas pessoas morreram em Odessa (sul) e uma terceira, em Poltava (centro) durante ataques aéreos russos nesta quinta. Já uma salva de artilharia matou cinco em Pokrovsk (leste). Na mão contrária, uma pessoa morreu em Lipetsk, ao sul de Moscou, durante um bombardeio com drones suicidas ucranianos.

A Marinha russa, ramo armado que sofreu os maiores constrangimentos na guerra até aqui, teve um dia de baixas. Seu comandante adjunto, general Mikhail Gudkov, foi morto ao lado de outros dez oficiais superiores durante um ataque com mísseis ucranianos na região russa de Kursk (sul).

Além disso, o site independente Fontanka disse que o Kremlin decidiu cancelar a parada anual do Dia da Marinha, celebrado no último domingo de julho, devido ao risco de ataques ucranianos com drones e mísseis de longo alcance.

Ela ocorre em São Petersburgo, a mais de mil km de distância das fronteiras ucranianas, e usualmente tem a presença de Putin. A concentração de embarcações de guerra a torna um alvo tentador, não só pelo simbolismo. O governo ainda não confirmou a informação, dada como certa por um analista militar ouvido pela reportagem.