WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – O “grande, lindo projeto de lei” que o presidente dos EUA, Donald Trump, tenta aprovar no Congresso nesta semana pode representar uma série de entraves para a indústria de energia limpa e veículos elétricos nos Estados Unidos.
Se for aprovado na forma atual, o texto prevê o fim de uma série de incentivos fiscais implementados durante o governo de Joe Biden para impulsionar a transição energética, além de provocar danos orçamentários, segundo analistas.
A proposta, motivo de briga entre Trump e o bilionário Elon Musk, passou pelo Senado por uma apertada margem de 51 votos a 50 e agora enfrenta resistência na Câmara dos Representantes.
O texto reduz os subsídios destinados à produção de painéis solares, turbinas eólicas, baterias e veículos elétricos. Setores econômicos e especialistas alertam para o risco de fechamento de fábricas, impactos para empregos e perda de competitividade frente à China.
A proposta apoiada pelo presidente da República toca em uma das bandeiras alardeadas pelo republicano desde a campanha: acabar com as políticas de incentivo a energia limpa do antecessor Biden. O que a lei propõe é revogar benefícios fiscais da Lei de Redução da Inflação, sancionada por Biden em 2022, que oferecia créditos para empresas que usassem componentes fabricados nos EUA, o que incentivou a indústria nacional.
Jason Grumet, diretor-executivo da American Clean Power Association, classificou o projeto como um “retrocesso para a política energética dos Estados Unidos”. Segundo ele, as mudanças podem levar ao aumento das contas de energia, menor confiabilidade da rede elétrica e perda de centenas de milhares de empregos.
“O mais desanimador é abrir mão do progresso que fizemos na fabricação de baterias, turbinas eólicas e painéis solares, além do crescimento econômico que temos visto em comunidades de todo o país”, disse Grumet.
Diante da pressão, senadores republicanos incluíram no texto uma extensão de 12 meses nos incentivos à energia limpa, válida para empresas que iniciem projetos até 2026. Também foram retiradas propostas que aumentariam impostos retroativamente e que atingiriam apenas os setores de energia solar e eólica.
Apesar disso, líderes do setor afirmam que a medida ainda representa um golpe severo. “Não podemos nos dar ao luxo de escolher vencedores e perdedores quando se trata de energia confiável, produzida nos EUA”, completou Grumet.
A expectativa é que a Câmara dos Representantes vote o texto nos próximos dias, sob intensa pressão da Casa Branca para aprová-lo antes do feriado de 4 de julho –feriado de Dia da Independência dos EUA e data que Trump tem usado como marco de sua agenda econômica.
Em outra frente, o projeto de lei propõe o fim dos créditos fiscais de até US$ 7.500 para a compra de veículos elétricos, o que vinha impulsionando o consumo e a produção doméstica. Além disso, o texto elimina recursos para instalação de carregadores rápidos em rodovias e reduz os subsídios para fábricas de baterias e mineração de lítio, elementos essenciais para a cadeia de suprimentos da mobilidade elétrica.
Trump tem afirmado que este dispositivo é a razão de Musk ter se levantado contra a aprovação do projeto de lei, algo que o empresário nega. A Tesla, do qual Musk é dono, é a única empresa dos EUA entre as dez maiores do mundo.
Segundo dados do professor Jay Turner, do Wellesley College, publicanos pelo The New York Times, mais de US$ 200 bilhões em investimentos privados foram investidos nos últimos anos por montadoras, mineradoras e fabricantes de baterias com o objetivo de criar uma cadeia produtiva de veículos elétricos menos dependente da China. Esses aportes agora estão ameaçados.
Os chineses têm avançado cada vez mais no setor. De acordo com a Agência Internacional de Energia, em 2024, montadoras como BYD, Geely e SAIC responderam por 70% dos carros elétricos vendidos globalmente. As fabricantes americanas representaram cerca de 5% desse total, sendo que empresas como a General Motors (G.M.) e a Ford agora dependem quase exclusivamente do mercado norte-americano para gerar lucro, por perderem espaço em outros continentes.
O temor de analistas é que o fim dos incentivos gerem uma queda ainda mais acentuada na competitividade dessas empresas frente às montadoras chinesas, que oferecem veículos elétricos e híbridos a preços mais acessíveis e com maior variedade.
Além do impacto industrial, a proposta legislativa também ameaça empregos e o desenvolvimento econômico em estados que se beneficiaram dos investimentos em energia limpa. Na Geórgia, por exemplo, a sul-coreana Hanwha Qcells estabeleceu fábricas de painéis solares que hoje empregam milhares de pessoas. Líderes locais já manifestaram preocupação com os efeitos da lei.
“Uma das minhas prioridades é manter nosso status como centro de manufatura da Geórgia”, afirmou Jevin Jensen, presidente do Condado de Whitfield, em carta ao Senado. “Os investimentos da Qcells trouxeram empregos de alta qualidade para nossa comunidade.”