BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) avaliam a possibilidade de assumir a costura de uma conciliação entre o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a cúpula do Congresso Nacional, em meio à crise do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).

O ministro Alexandre de Moraes deverá liderar essa negociação. Ele é o relator de ação impetrada pela AGU (Advocacia-Geral da União) no STF nesta terça-feira (1º) com pedido de declaração de constitucionalidade do decreto presidencial que elevou alíquotas do IOF.

A decisão de ir ao Supremo foi antecipada pela Folha de S.Paulo na segunda (30). Na mesma ação, a AGU também requer, em caráter liminar, o reconhecimento da inconstitucionalidade do decreto legislativo que suspendeu os efeitos do ato do Executivo.

Lula ficou irritado com a condução do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que informou pelas redes sociais a decisão de levar a matéria a voto no dia seguinte. O presidente teria classificado o gesto como uma traição. Motta negou traição ao governo no episódio do IOF e criticou o discurso do Executivo por alimentar “polarização social”.

Em meio ao embate e preocupado com o risco de instabilidade institucional, um ministro da corte defende um esforço de pacificação sob a condução do próprio Lula. Esse ministro faz referência ao termo jurídico “chamar o feito à ordem”, segundo o qual um processo é interrompido para correção de rumos.

Ele admite ainda incômodo com a transferência da crise para o STF, o que exige que ministros deliberem sobre mais uma bola dividida. O problema, diz ele, não está no debate jurídico sobre o IOF, mas na falta de um plano de voo do governo, inclusive nas relações com o próprio Congresso.

Apesar de reconhecerem a força jurídica da ação da AGU e as chances de vitória de Lula, ministros do STF temem a repercussão política da disputa. Um deles chega a desencorajar o envolvimento no impasse, lembrando que o governo colidiu com os presidentes da Câmara e do Senado.

A avaliação, segundo os magistrados da corte e assessores próximos, é que a questão seria juridicamente simples de ser resolvida. O governo tem competência para fixar medidas de gestão e arrecadação e não haveria abuso no aumento do IOF. Contudo, há a visão de que o tema é da seara política e deveria ser resolvido entre os atores desse cenário.

No STF, há precedentes que sinalizariam um caminho favorável ao governo na tramitação do caso na corte. Há decisões de 2019, 2020 e 2023 que rejeitam a sustação de decretos por Assembleias Legislativas contra atos de governos estaduais -seguindo o artigo 49 da Constituição, segundo o qual o Parlamento pode derrubar medidas do Executivo apenas quando elas extrapolarem limites.

Por outro lado, os ministros têm lidado com alto volume de desgastes, com o recente julgamento do Marco Civil da Internet (por meio do qual ampliaram as obrigações das plataformas de redes sociais), o processo em curso da trama golpista de 2022 e o embate sobre os limites das emendas parlamentares.

Aliados de Lula apostam na viabilidade de negociação e veem a possibilidade de um avanço célere das conversas. Um ministro do governo compara a ação do Executivo à administração de um medicamento para baixar a febre, permitindo o início de tratamento do problema. Essa pessoa vê chance de negociação se o tribunal conceder liminar ao governo para reativação das mudanças do IOF.

Segundo relatos, emissários do Congresso também estão propondo a abertura de um caminho de conciliação. Mas, apesar de pregar diálogo, ainda não há autorização de Lula para um recuo.

A partir desta quarta-feira (2), parte desse debate será transferido para Portugal, onde integrantes do governo e ministros do STF participam do 13º Fórum de Lisboa.

Apelidado de “Gilmarpalooza” por ser capitaneado por Gilmar Mendes, o evento contará, por exemplo, com a presença do autor da ação, o ministro-chefe da AGU, Jorge Messias, e do relator do tema, Moraes.

Flávio Dino também participa do encontro. Ele e Moraes estiveram na mesma mesa em outro evento, o Seminário de Verão da Universidade de Coimbra. Dino brincou com o colega, perguntando se gostaria de trocar com ele a relatoria do processo das emendas parlamentares.

Messias defende que o decreto com a elevação do IOF é constitucional e não poderia ter sido suspenso pelo Congresso Nacional. “A avaliação técnica dos nossos advogados, submetida ao presidente da República, foi que a medida adotada pelo Congresso Nacional acabou por violar o princípio da separação de Poderes”, disse.

“Nossa conclusão é que o decreto presidencial é constitucional, válido, hígido, não poderia ter sido objeto de PDL [Projeto de Decreto Legislativo]”, acrescentou. Messias reforçou que o enfoque da discussão no Supremo será “estritamente jurídico” e que o governo federal fará um esforço para que seja retomada a normalidade institucional.

A decisão de brigar na Justiça foi tomada por Lula, que solicitou que a AGU elaborasse recursos ao STF para reativar o decreto. A orientação do presidente foi dada a Messias durante reunião que contou com a presença da ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se manifestou a favor de um recurso ao STF, em entrevista ao C-Level Entrevista, novo videocast semanal da Folha de S.Paulo.

Antes mesmo da votação do Congresso, o governo já sinalizava com a possibilidade de judicializar o assunto, mas uma ala defendia a construção de uma solução política. Aliados do presidente chegaram a defender um esforço para evitar novo confronto entre a cúpula do Congresso e o Supremo.

Questionado por jornalistas nesta terça, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), minimizou a judicialização. “Eu acho que o governo tem legitimidade de tomar qualquer decisão, simples assim”, disse. “Deixa acontecer”, completou o senador, ao ser questionado sobre um possível entendimento do STF favorável ao governo.