SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Depois de admirar as obras de Monet no Masp e de passear pelo centro de São Paulo, o ex-presidente do Equador Rafael Correa disse à Folha de S.Paulo que não poderia administrar um país nas condições em que Lula o faz.

“Se eu fosse ele, ficaria louco. Não conseguiria governar com um Congresso de duas câmaras [no Equador, trata-se de uma assembleia unicameral] e com tantos membros contra mim. Anteciparia as eleições e, se não ganhasse, apresentaria minha renúncia”, afirmou. “Ele está gastando 99% do seu tempo tentando consensos com centenas de parlamentares. E o que a América Latina menos tem agora é tempo para perder. Já desperdiçamos 200 anos.”

Correa está no Brasil para gravar episódios do programa que comanda no canal russo RT en Español. Já gravou conversas com Emir Sader, Frei Betto e Guilherme Boulos. Sobre este último, comentou: “Ele tem inteligência e compromisso real. Nota-se por seu passado, uma pessoa que nasceu na classe média e decidiu ir para a rua ficar com os que não tinham casa.”

O equatoriano também elogiou os contrastes culturais da capital paulista e fez críticas à desigualdade: “São Paulo é a maior metrópole da América Latina. O Masp tem uma coleção espetacular. Vi a exposição de Monet e adorei a coleção permanente. Mas também pude observar o contraste brutal na região da praça da Sé, a miséria, os moradores de rua e o impacto das drogas na população carente. Isso é a América Latina.”

Indagado sobre o que acha de líderes como ele (que governou seu país por dez anos), Evo Morales (que foi impedido pela Justiça de concorrer a um quarto mandato) e Lula (que manifestou desejo de reeleger-se no ano que vem), Correa afirmou que considera legítima a permanência por mais de um mandato de líderes populares como um caminho necessário em contextos frágeis.

“A alternância virou um valor burguês que nem sempre se aplica. Às vezes não há alternativa. Se um presidente está indo bem, é melhor que continue, sempre seguindo a lei.”

O ex-presidente, que vive exilado na Bélgica, afirma que lideranças poderosas são necessárias para proteger projetos de transformação. “Não se criam líderes por mágica. Se criamos um sucessor e este não tem a mesma transcendência, o que fazer? Aí dizem que não queremos largar o poder. Mas é porque não há substituto à altura.”

Em 2017, Correa apadrinhou Lenin Moreno, de seu mesmo partido, na eleição para a sua sucessão. Mas afirma que foi traído e que, por isso, passou a fazer-lhe oposição. “Depois que saí, ele promoveu uma destruição institucional e econômica que levou o Equador à situação em que está hoje. Deixei o país como o segundo mais seguro da América Latina. E hoje é um narco-Estado, que não resolve o problema de segurança porque as autoridades e as instituições estão infiltradas.”

Para ele, a deterioração equatoriana é resultado direto de uma guinada neoliberal implementada por Moreno. “Não houve nenhum fator externo, mas mesmo assim tivemos uma recessão forte, colapso dos serviços públicos e uma crise moral. Nem aspirina se encontra nos hospitais. O Estado de Direito não existe. Há corrupção, mas os inimigos são perseguidos, e os aliados são protegidos.”

Ele rejeita as acusações de corrupção pelas quais foi condenado e impedido de disputar as eleições de 2021. “Saí do Equador sem nem uma infração de trânsito. Me condenaram em tempo recorde e sem provas. Hoje tenho 56 processos em andamento. Mais que o Chapo Guzmán, Pinochet e Al Capone juntos”, diz, mencionando, respectivamente, o narcotraficante mexicano, o ditador chileno e o mafioso americano.

Ele também condena a atuação do governo de Daniel Noboa — “o fato de que metade do país o tenha apoiado é o mais preocupante”— no caso do ex-vice Jorge Glas, que foi retirado à força da embaixada do México, em episódio que causou repercussão negativa na comunidade internacional. “Glas está sendo torturado numa prisão de segurança máxima. Não há provas contra ele. A invasão da embaixada violou todas as leis internacionais e locais.”

Correa considera a prisão do narcotraficante Fito importante, mas longe de resolver o problema de segurança do país. Ele era um dos criminosos mais procurados do Equador. “Não vai mudar nada. Ele foi achado em sua própria casa, quase dois anos depois de escapar diante do governo. Querem que eu me alegre? É como o pobre que fica feliz quando devolvem a camisa que foi roubada.”

O ex-presidente defende inteligência e cooperação internacional para enfrentar o narcotráfico. “Isso não se combate com Rambo, dando tiros em todo mundo, mas sim com Sherlock Holmes, com inteligência. Não adianta dar mais armas à polícia. É preciso tecnologia, scanners nos portos, cooperação transnacional.”

Com relação ao cenário regional, Correa afirma manter amizade com Cristina Kirchner, com quem diz ter conversado depois de a ex-presidente argentina ter sido condenada. “Ela está muito forte, me surpreendeu”, diz.

Sobre a criticada gestão de Gustavo Petro: “Claro que está sendo difícil para ele, mas, se me dissessem há dez anos que haveria um governo de esquerda na Colômbia, eu recomendaria a essa pessoa um psiquiatra. Então, só o fato de ele se eleger já foi histórico.”

Correa conclui com um diagnóstico sombrio. “A América Latina viv e um momento polarizado, como o pré-guerra na Europa. Quando a democracia decepciona, surgem os extremismos. Hoje, não dá mais vergonha se declarar fascista. Ao contrário, o que antes era marginal agora vira palanque.”