SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Lançado em junho pela Pixar, “Elio” originalmente retrataria seu protagonista como um personagem queer. É o que disseram fontes de dentro do estúdio, à revista especializada The Hollywood Reporter, sobre os bastidores da animação, que amargou a pior abertura em bilheteria da história da empresa.

Segundo funcionários da Pixar, as primeiras versões do filme, que sofreu mudanças ao longo do processo, eram mais próximas das ideias de seu criador, Adrian Molina, que é um homem gay e deixou a produção sob o pretexto de assumir a continuação de “Viva: A Vida É uma Festa”.

Eles descrevem duas cenas específicas, citadas pela reportagem —numa delas, o menino Elio coletava objetos numa praia para produzir novas peças de roupa, incluindo um top rosa.

Em outra sequência, fotografias de seu quarto sugeriam interesse por outro garoto. Segundo o texto, entretanto, o cineasta nunca teve a intenção de que a narrativa do menino de 11 anos fosse sobre “sair do armário”.

Nem por isso a produção deixou de sofrer interferências. A relação de Elio com a moda foi um aspecto retirado do filme, e, com o tempo, os supervisores da produção teriam buscado reforçar a masculinidade do personagem.

“Ficou muito claro, durante o desenvolvimento da primeira versão, que [líderes do estúdio] estavam constantemente derrubando os momentos do filme que sugeriam a sexualidade de Elio como sendo queer”, afirmou um artista que trabalhou na Pixar que esteve envolvido com os primeiros estágios da animação.

A situação se agravou quando o desenho passou por uma exibição-teste, em 2023. Segundo a revista, apesar de elogios, ninguém do público levantou a mão quando questionado sobre se este seria um filme que os levaria às salas de cinemas.

Foi nessa mesma época que Molina teria apresentado a sua versão mais recente à chefia da Pixar. Embora não exista um consenso a respeito das reações de Pete Docter, presidente do estúdio, fontes anônimas dizem que o diretor ficou magoado com a resposta.

Ele se ausentaria do projeto pouco depois, mas a notícia só viria a público no ano passado. O pretexto foi a agenda exigida por outra produção, que este ano foi revelada como sendo “Viva 2”.

Molina teria tido a opção de seguir com o projeto ao lado da diretora Madeline Sharafian, que estava se juntando ao projeto. Diante das mudanças impostas sobre a sua ideia original, porém, decidiu abandonar de vez o filme e Domee Shi, de “Red: Crescer É uma Fera”, tomou o seu lugar.

“De repente, você remove essa peça chave, que é sobre identidade, e ‘Elio’ se torna um filme sobre absolutamente nada”, diz um dos ex-artistas da Pixar no texto.

“Quando vou aos parques da Disney e vejo pessoas gostando dos filmes que fizemos, a esperança é que criamos algo que pode fazer qualquer um se sentir visto”, disse Sharafian em entrevista à Folha de S.Paulo, em que ela ainda fala sobre os esforços que ela e Shi fizeram para preservar as raízes latinas do diretor no projeto.

O filme arrecadou cerca US$ 20 milhões em seu final de semana de estreia e teve um orçamento estimado em US$ 150 milhões, segundo o IMDb. Entretanto, outro artista envolvido com a produção afirma que o orçamento teria excedido esse valor, por conta das mudanças e adiamentos.

Apesar das controvérsias, o desenho foi bem recebido pela crítica e conquistou 83% de aprovação da crítica no agregador de avaliações Rotten Tomatoes. Os funcionários concordam que Sharafian e Shi fizeram o melhor trabalho possível diante das circunstâncias.

Mesmo assim, muitos integrantes da equipe abandonaram o projeto após a apresentação do primeiro corte dirigido pelas duas.

“O êxodo de talento depois daquele corte demonstra o quão infelizes as pessoas estavam com o fato de que haviam mudado e destruído um lindo trabalho”, diz a ex-editora assistente da Pixar, Sarah Ligatich, na reportagem. Ex-integrante do conselho LGBTQIA+ do estúdio, ela seguiu o desenvolvimento inicial do desenho.

O caso de “Elio” não é o único na história recente da Pixar. No ano passado, uma entrevista de Docter levantou discussões após a afirmação de que o estúdio deveria investir em histórias universais, o que muitos interpretaram como uma tentativa de afastamento em relação a temáticas identitárias.

Antes disso, em 2023, a estreia do filme “Lightyear”, derivado da saga “Toy Story”, trouxe polêmica após a viralização de uma cena envolvendo um beijo entre duas mulheres. O momento dura poucos segundos e se tornou alvo de críticas nas redes sociais.

Este ano, o lançamento da primeira série original da Pixar, “Ganhar ou Perder”, que chegou ao Disney+ em fevereiro, levantou um debate a respeito de uma personagem trans, que segundo um porta-voz do estúdio acabou sendo cortada.