OURO PRETO, MG (FOLHAPRESS) – A CineOP, que se encerrou nesta segunda (30), em Ouro Preto, tinha bem o que comemorar além de seus 20 anos a formação e consolidação de uma rede que aproxima todas as cinematecas e arquivos audiovisuais, a vinda de algumas das principais cineastas em atividade no país, as conferências proferidas por dois profissionais europeus da Cinemateca Portuguesa e do Festival de Cannes, entre outros.
A principal conquista, no entanto, talvez tenha sido a implantação de uma mostra competitiva de filmes contemporâneos com trabalhos baseados em arquivos. O que significa, para começar, que já temos arquivos. E, em segundo lugar, que começaremos a saber aproveitá-los.
Passemos pelas durezas dos inícios. Foram cinco filmes, sendo apenas um de diretor consagrado, no caso, Jorge Bodanzky, retratado no documentário “Um Olhar Inquieto” um panorama sobre o conjunto de sua obra, baseado no vasto arquivo que o diretor foi criando ao longo de sua carreira.
Já “Itatira”, de André Luís Garcia, parte de um fato interessante: a repercussão enorme da morte de um aluno da escola municipal da cidade de Itatira, sertão cearense. Um filme em que o essencial é a capacidade do cineasta de criar atmosferas interessantes, porém usando um arquivo restrito e que se choca, esteticamente, com o restante do filme.
“Meu Pai e Eu”, de Thiago Moulin, é um filme pessoal, no sentido de que ele parte da mala onde o pai guardava escritos e fotos e que, ao morrer, deixou expressa a proibição de abri-la.
O filho, no entanto, abriu-a dez anos depois da morte do pai. Daí por diante, temos a investigação em torno de quem era esse homem (o pai), ou, mais genericamente, o que é um homem.
Busca que faz lembrar o Orson Welles de “Cidadão Kane” pelo intento e até pelo resultado um homem é impossível de conhecer. Claro, o resultado não tem nada a ver com Welles. É um documentário modesto e familiar, que tende ao melodrama de tempos em tempos.
Talvez o melhor de todos seja “Os Ruminantes”, que revisita o projeto nunca realizado de Luiz Sergio Person.
A presença de Marina Person, sua filha, e, sobretudo, de Jean-Claude Bernardet, coroterisita, ajuda muito. O uso de imagens de arquivo serve, sobretudo, para que o espectador imagine, mais ou menos, o que Person e Jean-Claude haviam pensado para esse projeto, que esbarrou na censura e talvez alguma ardilosa maquinação da ditadura contra a produção. Muito informativo sobre a dificuldade de trabalhar naqueles anos.
“Paraíso”, de Ana Rieper, que venceu a competição, é o filme que mais intensamente trabalha com arquivos. Trata-se de um trabalho ensaístico que busca investigar o fosso que a história brasileira criou entre brancos e negros. Começa com brilho: aproximando imagens de eventos chiques ao tratamento infame dispensado a jovens negros do Rio de Janeiro.
Depois, no entanto, o filme perde fôlego e com mais frequência limita-se a uma espécie de condenação da história brasileira, seja com imagens de escravatura, seja filmes publicitários.
Sim, nossa história é problemática, os brancos tentaram e tentam estender a escravidão o mais que podem. Mas essa é a história. Condená-la não leva muito longe. Sim, há momentos luminosos, mas, com toda franqueza, o que mais impressiona são os planos filmados pela própria documentarista.
Mas isso não é tão importante. Essencial é que os cineastas brasileiros usem os arquivos que começam a ficar disponíveis e se aprimorarem, o que só acontece com a prática e o tempo.
Sem esquecer da atenção à preservação com a exibição, no festival, de títulos como “A Mulher de Todos”, com Helena Ignez, de Rogério Sganzerla, “Os Homens que Eu Tive”, de Tereza Trautman, dentre outros, além do anúncio de que a Universidade Federal de Ouro Preto vai abrir um curso de cinema voltado sobretudo ao restauro.