BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Enquanto diversas regiões da Europa registram recordes de temperatura, a União Europeia se prepara para flexibilizar as metas climáticas dos 27 países do bloco econômico. Na primeira canícula de 2025, o discurso político soa no mínimo contraditório diante da coleção de episódios de calor extremo no continente nos últimos dias.

Na Espanha, a Aemet, o serviço meteorológico do país, registrou o junho mais quente da história, com média de 23,6°C, 0,8°C acima do recorde anterior, de 2017. Pela primeira vez, o mês superou as médias históricas de julho e agosto, os períodos mais quentes do verão europeu, construindo um prognóstico ruim para a atual estação.

Huelva, na Andaluzia, bateu o recorde do ano de temperatura no sábado (28), com 46°C. Em Mora, perto de Lisboa, os termômetros alcançaram 46,6°C no domingo (29). Barcelona registrou o junho mais quente em mais de um século de medições e investiga a morte de uma gari no fim de semana, segundo a agência Reuters.

Nesta terça (1°), incêndios florestais foram registrados na Turquia e a Inglaterra viveu o dia mais quente do ano, com 33,6°C. Números ainda provisórios indicam que o Reino Unido experimentou o segundo junho mais quente desde 1884, quando os registros começaram. Apenas junho de 2023 foi pior.

Na Alemanha, Berlim se prepara para um pico de 38°C na quarta (2). Diversas partes do país tem previsão de temperaturas acima de 40°C. Em Paris, escolas e o andar mais alto da Torre Eiffel foram fechados; uma usina nuclear foi desligada para não aquecer demais as águas do rio que a refrigera e, assim como na Espanha, linhas de trem foram paralisadas por problemas de manutenção provocados pelo calor.

A excepcionalidade do momento foi notada pela OMM (Organização Meteorológica Mundial), vinculada à ONU. “O que é excepcional não é só a intensidade, mas também a época do ano, já que esses episódios de calor extremo geralmente acontecem no meio do verão”, declarou a entidade em comunicado. O verão europeu começou no dia 21 de junho.

Na avaliação do braço meteorológico do observatório Copernicus, “as mudanças climáticas estão tornando as ondas de calor mais frequentes, mais intensas e afetando áreas geográficas maiores”. De acordo com Samantha Burgess, líder do órgão ligado à UE, “milhões de europeus estão sendo submetidos a um estresse de calor extremo”.

Especialista ouvido pelo site Político estimou que 4.500 pessoas vão morrer no continente nesta semana devido à onda de calor. Segundo Pierre Masselot, estatístico da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, o chamado excesso de óbitos deve ser observado em países como Itália, Luxemburgo, Croácia e Eslovênia.

A OMS (Organização Mundial de Saúde) fez alerta semelhante na segunda-feira (30), relacionando as mudanças climáticas, impulsionadas pela queima de combustíveis fósseis, ao agravamento de doenças e a “milhares de mortes previsíveis e desnecessárias”.

Ainda assim, o Parlamento Europeu se prepara para discutir na quarta (2) o relaxamento de suas metas climáticas. Estados-membros poderão usar créditos de carbono de países em desenvolvimento para mitigar parte de suas metas, o que é visto por grupos ambientalistas como uma forma de abrandar as medidas domésticas contra o aquecimento global.

“O planeta não se importa com o local de onde retiramos as emissões do ar”, disse ao jornal The Guardian Wopke Hoekstra, comissário europeu para o Clima, indicando que muitos países da África e da América Latina demonstram interesse pelo mecanismo. Ambientalistas, porém, temem esquemas fraudulentos. Mais de 130 entidades classificaram a proposta como uma caixa de pandora em carta endereçada a Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, há menos de um mês.

A NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada, na sigla em inglês) do bloco econômico para 2040 é um corte de 90% das emissões em relação ao verificado em 1990. O plano era contestado por diversos países, que consideravam a meta inatingível. A utilização de créditos, mesmo que na proporção de pontos percentuais, serviria para Bruxelas alcançar sua aprovação antes da COP30 em Belém.

A mudança de estratégia só foi possível com a mudança de governo na Alemanha, neste ano. A gestão do primeiro-ministro Friedrich Merz aposta na flexibilização também no discurso interno, já que leis ambientais restritivas alimentaram a ascensão da extrema direita no país nos últimos anos.