SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Um pastor da Igreja Recomeçar afirmou odiar pobres, chamou o presidente Lula de “nove dedos ladrão” e disse que Jesus nunca foi pobre durante uma conferência em Foz do Iguaçu, no Paraná; a cena foi captada em vídeo e viralizou nas redes sociais.
Um vídeo de pregação do pastor Nicoletti, da igreja Recomeçar, viralizou no final de semana nas redes sociais. As imagens mostram ele afirmando durante uma conferência que “odeia pobre”, que “Jesus nunca foi pobre” e chamando o presidente Lula de “nove dedos ladrão”. O evento aconteceu em 25 de maio, no Rafain Palace Hotel, em Foz do Iguaçu, no Paraná.
Na gravação, ele critica a pobreza e programas sociais. Durante a fala, Nicoletti disse que “dar esmola é patrocinar a escravidão” e defendeu que, em vez de assistência, as pessoas precisam passar por processos de “desbloqueio de mentalidade” para prosperar financeiramente.
“Eu odeio pobre. E eu vou dizer que Jesus nunca foi pobre. E se te falaram isso, mentiram. Porque o pobre não é só pobre financeiramente, ele é vítima de alguém que o fez ficar pobre. Ele sempre entende que o mundo deve para ele, e a culpa é de quem tem mais”, disse o pastor Nicoletti.
Em outro trecho, o pastor menciona o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ao falar sobre ladrões. Nicoletti afirma que todo ladrão tem discurso de ajudar os pobres e cita o petista por um apelido pejorativo, antes de dizer que também há cristãos ladrões dentro das igrejas.
“Todo ladrão tem o discurso de ajudar pobre. Só que não é só o ‘nove dedos’, não. Tem um monte de cristão ladrão dentro da igreja, que rouba no altar e critica a corrupção lá fora, mas que é corrupto dentro da igreja”, disse o pastor Nicoletti.
A atitude de Nicoletti rendeu críticas deixadas em comentários em seus posts públicos no Instagram. Em uma publicação fixada. Nicoletti aparece jovem, entre crianças africanas, durante uma viagem missionária. Internautas deixaram mensagens de apoio, mas também críticas pelas falas polêmicas. “Querendo gerar comoção”, escreveu um usuário. Outro comentou: “Para alguém que falou que Jesus não gostava de pobre, tá fingindo bem”. Houve também quem o chamasse de “mercador da fé” e “filhote de Belzebu”, enquanto seguidores o defenderam: “Te conheço bem pouco, mas já pude sentir o seu caráter, seriedade, fé e jeito simples de se conectar com todos; tem meu respeito”.
CONTEXTO E DESCULPAS
Pastor afirma que suas falas foram tiradas de contexto. Em entrevista ao UOL, o pastor disse que não odeia pessoas pobres, mas sim a pobreza como sistema opressor. “O que eu sempre digo -e reforço há anos- é que odeio a pobreza, não o pobre. A pobreza é um sistema opressor que limita vidas, mata sonhos e mantém pessoas presas à escassez. Trata-se de uma visão espiritual e social profunda: ninguém precisa continuar em miséria quando entende seu valor em Deus. Eu reitero meu amor pelas pessoas, que me move a pregar libertação em todas as áreas da vida, inclusive a financeira”.
Ele pediu desculpas por ter chamado Lula de ladrão. Nicoletti afirmou que a frase foi uma “expressão pessoal de indignação diante de fatos públicos”, mas reconheceu que não foi adequada. “Peço desculpas. Essa fala não reflete a posição institucional da Igreja Recomeçar, que respeita a autoridade civil e defende o diálogo construtivo, mesmo quando há divergências políticas”.
Para ele, dar esmola perpetua a escravidão. Nicoletti disse que não critica programas sociais como o Bolsa Família em sua essência, mas sim a dependência criada por discursos políticos. “Não me referi a ações legítimas de assistência ou justiça social, mas à esmola que apenas perpetua a dependência, sem promover transformação. Quando a ajuda não liberta, ela escraviza. A Bíblia ensina a socorrer o necessitado, mas também a capacitar. Eu entendo que ajuda emergencial é necessária, e a igreja inclusive realiza ações sociais, mas trabalhamos com expansão da mente, não com dependência”.
O pastor defende que Jesus nunca viveu em miséria. Segundo ele, Cristo sempre teve “provisão” em todas as áreas. Ele cita exemplos bíblicos, como os presentes dados a Jesus pelos magos (ouro, incenso e mirra) -Mateus 2:11; a posse de uma túnica “sem costura, de alto valor”- João 19:23; o fato de ter um tesoureiro entre os discípulos (Judas) – João 12:6; e a multiplicação de alimentos e provisão milagrosa – Mateus 14:13-21. “Não quero dizer que Jesus era rico nos moldes modernos, mas sim que Ele nunca foi escravizado pela escassez – e essa é a herança que acredito que os filhos de Deus podem ter”.
Nicoletti diz que a igreja deve atuar além do espiritual. Para ele, a missão inclui transformação social e econômica. “A igreja deve atuar de forma espiritual, social e prática. Ela deve pregar arrependimento, salvação, libertação e, ao mesmo tempo, capacitar pessoas para romper ciclos de escassez, viver com dignidade, gerar recursos e transformar ambientes”.
Ele conta que vivenciou uma infância marcada pela pobreza. Nicoletti disse ter nascido em 16 de janeiro de 1981, em Planalto, no interior do Paraná, num vilarejo bem simples, vindo de uma família muito pobre, marcada pelo trabalho duro na roça e pela luta diária para sobreviver. Foi criado no meio da lavoura manual, com os pés descalços e as mãos na terra. “Conheci a fome. Passei vergonha por não ter o que vestir. Senti na pele o que é ser limitado financeiramente”.