MARIA DA FÉ E DELFIM MOREIRA, MG (FOLHAPRESS) – O cultivo de oliveiras começou de forma tímida e sob muita, muita desconfiança, mas 17 anos após a extração do primeiro azeite de oliva extra virgem na região, a produção na Serra da Mantiqueira alcançou recorde na safra passada e produtores buscam obter protagonismo em municípios de Minas Gerais.
Dos ínfimos 40 litros obtidos em 29 de fevereiro de 2008, a produção alcançou 150 mil litros em 2024, conforme a Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais), e a região com altitudes superiores a 1.200 m em relação ao nível do mar também viu proliferar o total de produtores rurais que entraram no segmento.
O azeite ainda está longe de ser a principal cultura agrícola na região, mas os bons preços obtidos no mercado impulsionam a atividade. Embalagens com 250 ml chegam a custar R$ 100, dependendo do fabricante e da safra.
O azeite de oliva foi líder de falsificações de produtos de origem vegetal no ano passado, conforme relatório do programa nacional de combate à fraude, o PNFraude, do Ministério da Agricultura.
Os dados mostram que 112,3 mil litros de azeite adulterado foram apreendidos em 2024, em ações em parceria com órgãos como Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Receita Federal e PF (Polícia Federal).
Embora registros apontem que as primeiras mudas de oliveiras chegaram à região da Mantiqueira de Minas em 1935 pelas mãos de um casal de imigrantes portugueses, foi a partir dos anos 1990 que a produção em Maria da Fé passou a ganhar ritmo e as pesquisas avançaram, conforme Pedro Moura, pesquisador da Epamig, transformando o município de 14 mil habitantes no principal produtor da região.
“As pesquisas no início trabalhavam com batata, que era muito forte no município. Aí houve uma crise por causa de uma doença e a fruticultura foi priorizada. Na década de 90 viram que de fato era possível ter oliveira aqui”, disse.
Produzir azeite não é uma tarefa fácil. Para obter os primeiros 40 litros de azeite, foram necessários 400 quilos de azeitonas. Essa proporção, de 10 quilos para cada litro do óleo, se mantém.
A estimativa é que a Serra da Mantiqueira reúna 200 produtores, dos quais 65% em solo mineiro, responsáveis por 90 marcas.
Após a extração inicial, em 2010 os produtores da região já alcançaram 500 litros de azeite, volume que cinco anos depois chegou a 25 mil litros. Em 2018, foram 80 mil e, no ano passado, 150 mil.
A produção nacional de azeite tem alcançado cerca de 500 mil litros por ano, ínfima em relação ao consumo de 100 milhões de litros por ano, conforme dados do Ibraoliva (Instituto Brasileiro de Olivicultura).
Para produzir mais, produtores apostam em cultivo biodinâmico, no clima (a planta precisa ter no inverno ao menos 300 horas com temperaturas abaixo de 10ºC para que ocorra a indução floral), na altitude (incentivo ao plantio acima de 1.100 m) e até em música erudita.
Ao som de música clássica diariamente das 6h às 18h, as 3.200 oliveiras da fazenda Santa Helena, a 1.650 m de altitude, foram responsáveis pela colheita de 30 toneladas na safra passada, que resultaram em 3.000 litros de azeite.
Foram instaladas 70 caixas de som pela propriedade, e a medida deu resultado, segundo Ulisses Ferreira, gestor da produção de oliveiras.
“O antigo dono tinha abandonado o olival, em 2019. Eram 6.000 árvores, arrancamos 3.000 para salvar as outras. Muitas continuavam doentes, energia pesada na fazenda, e era começo de pandemia. Rosana [proprietária] gosta de ouvir música e pediu aos funcionários para ouvirem música e se animarem para trabalhar. Ela percebeu que tinha funcionado com os meninos e pensou porque não funcionaria com elas [oliveiras]?”, disse.
Assim foram implantadas as 70 caixas de som, com fiação subterrânea. “Não temos comprovação científica, mas não precisamos dessa comprovação”, afirmou, citando que fazendas vizinhas, com mesmo solo e clima, têm uma colheita anual, enquanto a fazenda fez duas por quatro anos seguidos.
Se gosta de música, a planta não gosta de luz nem de água, disse, e calcário é usado para empobrecer o solo, deixando-o como as oliveiras pedem.
A Folha esteve em outras quatro fazendas produtoras de oliveiras em Maria da Fé e Delfim Moreira, município vizinho, com 8.000 habitantes. A maior produção vista foi a da fazenda Fios de Ouro, único olival dos visitados pertencente a um produtor da própria Maria da Fé os demais são de investidores de outras regiões mineiras ou paulistas.
Com 6.000 árvores distribuídas em 24 hectares, o local esmagou 300 toneladas de azeitonas, que resultaram em 30 mil litros de azeite, e tem uma planta industrial que também passou a ser utilizada para a extração do azeite de abacate. Um vidro de 250 ml é vendido por R$ 70 no local.
Em Maria da Fé, a batata ainda é a principal atividade agrícola, seguida por tomate, cenoura, café e azeitonas, segundo a prefeitura.
SAIBA AS DIFERENÇAS
O azeite de oliva pode ser classificado em diferentes categorias, com base em acidez, método de extração e notas sensoriais. O tipo extra virgem é o mais valorizado e tem extração a frio, sem processos químicos, com acidez abaixo ou igual a 0,8%. Já o azeite de oliva virgem passa por extração mecânica, sem refinamento químico, com acidez entre 0,8% e 2%.
Um terceiro tipo de azeite, que não é recomendável para consumo humano, é o lampante, de acidez superior a 2%, usado para fins industriais e cujo nome deriva de seu uso, combustível para lamparinas.
Ele tem sido refinado e misturado aos tipos extra virgem ou virgem, segundo Moura, para se encaixar nas duas qualidades superiores. “É vendido como azeite tipo único”, disse.
A safra 2025, colhida no primeiro bimestre, caiu em comparação à passada, com a produção de 70 mil litros, mas isso, conforme pesquisadores e produtores, ocorreu devido à cultura ter como característica a bienalidade ou seja, produz mais num ano e menos no seguinte, a exemplo do que ocorre com o café.
MADE IN MARIA DA FÉ
A Epamig mantém um banco de germoplasma com 57 variedades das estimadas 3.000 existentes no mundo. A partir dele, estudos buscaram identificar as mais produtivas na região, e a arbequina, originária da Catalunha, mostrou-se uma das atrativas, por oferecer um azeite de qualidade, com sabor suave e frutado. É a mais plantada em Minas.
Onze cultivares nacionais, segundo a Epamig, estão protegidos no Ministério da Agricultura, um deles chamado Maria da Fé que, no entanto, não está entre os mais plantados por ser mais exigente em relação ao frio.
Fazendeiros e pesquisadores afirmam que, para fugir dos riscos de fraudes, o consumidor deve dar preferência para marcas confiáveis e que sejam produzidas e envasadas pela mesma empresa.
“Como o óleo vem para o Brasil em tonéis, há riscos como mistura com óleo de soja, que existe muito, ou a venda como se fosse extra virgem, sem ser”, disse Moura.
Ele afirmou ainda que é importante que o consumidor acompanhe as divulgações do Ministério da Agricultura sobre o tema e que dê preferência para garrafas de cor escura, que ajudam a conservar as características do azeite.
Junto com a produção em alta também aparecem os riscos, que no caso das oliveiras se chama xylella fastidiosa, bactéria que pode provocar a morte das plantas.
“É um problema não só local ou estadual, mas mundial. Mas é também o que mais tem demandado pesquisa”, disse o pesquisador de fitopatologia da Epamig, Gabriel Koch.
Na fazenda Olivais de Quelemém, a praga é um problema, conta o gerente Luiz Augusto da Silva.
Com produção biodinâmica, parte da lavoura foi atingida pela xylella, e uma pasta com ingredientes como argila, chá de cavalinha, húmus de minhoca e leite cru está sendo usada nas plantas com o objetivo de tentar neutralizar o ataque da bactéria.
“Estamos apostando que a pasta venha a resolver. Curar não vai, mas vamos tentar resolver”, disse. O proprietário comprou uma outra área próxima, de 40 alqueires, com mudas selecionadas da Embrapa para ver se a bactéria não chega até o local.