SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Há algo estranho neste cômodo. O tapete não está no chão, e sim na parede. Troncos despontam da base de uma cadeira, de modo que o objeto parece prestes a se transformar numa árvore. Já o tampo da mesa foi substituído por uma tela que retrata cobras em um movimento sinuoso e desconcertante.

Como numa pintura surrealista, o que prevalece na exposição “Sala de Jantar” não é a lógica nem a racionalidade, mas a atmosfera onírica e absurda das alucinações.

Em cartaz na galeria Marilia Razuk, na zona oeste de São Paulo, a mostra tem como fio condutor o trabalho “Hôtel du Pavot, Chambre 202”, da artista surrealista Dorothea Tanning (1910-2012). A instalação da americana traz em um quarto de aspecto lúgubre cinco figuras amorfas que lembram vagamente o corpo humano. Essa corporeidade difusa está presente também na exposição paulistana.

Isso se faz notar em uma obra em que Marcus Deusdedit alude à cabeça humana ao posicionar uma peruca cacheada sobre um alto-falante de formato arredondado. Por meio do dispositivo, é possível ouvir o relato de uma mulher sobre a desigualdade socioeconômica do Brasil.

O corpo também está apenas insinuado em “Ofertório”. Nesse trabalho, Thiago Honório esculpiu placas de madeira que guardam em seu interior reproduções do olho humano, o que confere um certo ar voyeur à exposição.

“Essas peças são quase fantasmagorias, testemunhas do que acontece aqui”, afirma Luana Fortes, curadora que organizou a exposição ao lado da consultora de arte Cristina Tolovi. “Trazer essa referência ao corpo humano, mas sem mostrá-lo de forma literal, foi uma tentativa de destacar a possibilidade de existir uma subjetividade por trás dos objetos.”

Ao fazer isso, a mostra evidencia que itens domésticos nada têm de anódinos. “A gente nasce e morre, mas eles continuam aqui. Pensar que objetos têm subjetividade é entender que eles guardam memórias e histórias. A gente procurou enfatizar justamente esses aspectos”, afirma Fortes.

Prova disso é que a curadora incluiu na exposição uma mesa que pertencia a sua avó. No lugar do tampo, porém, ela instalou a pintura “Sem Retorno ao Paraíso”, de Giulia Bianchi, artista que pintou cobras sobre um fundo vermelho sangue.

“É uma obra quase dramática, principalmente por esse fundo vermelho, remetendo à ideia de que existe uma tensão no ambiente.”

A tensão, no entanto, não está presente apenas nesse trabalho. O próprio conceito de sala de estar traz conflitos por promover uma fricção entre o público e o privado. Esse ambiente não tem a exterioridade completa da varanda, mas também não guarda a intimidade total do quarto de dormir. É como se a sala fosse o espaço entre uma coisa e outra.

“Esse cômodo é o primeiro passo para o espaço íntimo. Ainda é um lugar que está dentro da casa, mas, ao mesmo tempo, é possível prepará-lo para receber visitas, ou seja, quem vem de fora”, diz a curadora. “A sala é um espaço onde revelamos a nossa intimidade, mas também conseguimos preservá-la.”

O pintor Pepi Lemes, por outro lado, preferiu expor a privacidade no lugar de ocultá-la. Em um tríptico, ele desenhou um homem nu estendido sobre uma cama cuja cabeceira lembra formações montanhosas. “Essa tela mostra um espaço externo à sala de estar. É como se ela fosse uma janela para outro cômodo.”

Ao escolher as obras para compor a exposição, a curadora deu ênfase a trabalhos que desafiam a funcionalidade do design.

Evidência disso é uma estante de aço e madeira projetada por Gustavo Bittencourt. Como as prateleiras apresentam curvas e inclinações, não é seguro colocar objetos em toda a extensão do móvel, já que eles podem escorregar.

Daisy Xavier, por sua vez, esvaziou a funcionalidade de quatro cadeiras ao empilhá-las uma em cima da outra na obra “Coluna Vertebral”. “Ao escolher os artistas, procuramos trabalhos que operam entre o limite da arte e do design”, diz Fortes. “Ao fazer isso, a nossa ideia foi desestabilizar as divisões que separam essas duas áreas.”

Sala de Jantar

Quando Seg. a sex., das 10h30 às19h. Sáb., das 11h às16h. Até 16 de agosto

Onde Rua Jerônimo da Veiga 62 e 131 – Itaim Bibi

Preço Gratuito

Classificação Livre