O Brasil está envelhecendo rapidamente, e com isso cresce uma necessidade que já bate à porta de milhões de lares: o cuidado com pessoas idosas. Por muito tempo relegado ao âmbito familiar — quase sempre às mulheres —, esse tipo de assistência começa a ganhar status de atividade profissional. Mas enquanto a demanda por cuidadores dispara, o mercado ainda é majoritariamente informal, carente de reconhecimento legal, qualificação técnica e direitos básicos.
Crescimento veloz, estrutura precária
Entre 2019 e 2023, o número de cuidadores remunerados no Brasil cresceu 15%, chegando a 840 mil profissionais, segundo a Pnad. Esse número, no entanto, é só a ponta do iceberg: há mais de 5 milhões de pessoas exercendo essa função sem receber por isso. A informalidade, somada à ausência de políticas públicas robustas, mantém grande parte dos cuidadores invisíveis — e vulneráveis.
Cuidar é um direito, não um favor
Um projeto de lei que institui a Política Nacional de Cuidado está em discussão no Congresso. A proposta reconhece o cuidado como um direito social e quer tirar das famílias — especialmente das mulheres — a responsabilidade solitária por esse trabalho. O foco está na valorização profissional: formação adequada, proteção trabalhista e fiscalização das condições de trabalho. É uma tentativa de corrigir a lacuna deixada por décadas de omissão do Estado.
Profissão que cresce à sombra da informalidade
Apesar da ausência de regulamentação, o setor segue se expandindo. O número de cuidadores formalmente contratados saltou 547% em dez anos. O avanço da idade média da população, agravado pelos impactos da pandemia, abriu espaço para clínicas especializadas e redes de franquia, como a Cuidare, que já emprega mais de 10 mil profissionais. Para empreendedoras como a enfermeira Rosemary Teles, o mercado exige cada vez mais preparo técnico e emocional.
Formar para valorizar
A qualificação é um ponto-chave para consolidar o cuidado como profissão. Além de conhecimento em áreas como gerontologia, mobilidade e primeiros socorros, o cuidador precisa desenvolver habilidades interpessoais. A rotina é intensa e exige equilíbrio emocional. Como relata a cuidadora Luciene Pereira, o desgaste é físico e psicológico — e, muitas vezes, solitário. “Quando perdemos um paciente, ninguém nos ampara. E seguimos trabalhando, sem pausa para o luto.”
Entre o doméstico e o profissional
Outro obstáculo é o desconhecimento da função. Muitos empregadores ainda confundem o papel do cuidador com o de um trabalhador doméstico, exigindo tarefas incompatíveis com a atuação técnica. Sem legislação clara, essas distorções se repetem em todo o país. A remuneração também é desigual: varia entre regiões e contextos, e raramente inclui benefícios como plano de saúde ou suporte emocional.
O futuro que já começou
O Brasil caminha para se tornar uma nação de idosos. Já em 2023, o número de pessoas com 60 anos ou mais se igualou ao de crianças. Até 2070, um terço da população será idosa — enquanto a taxa de natalidade segue em queda. Isso significa menos filhos para cuidar de mais pais. Como alerta o geriatra Juliano Silveira, “não haverá mãos suficientes dentro das famílias”. O cuidado precisa sair do invisível e se tornar um serviço estruturado, acessível e digno.
Cuidar é destino — ou oportunidade
A questão, portanto, não é se o cuidado será necessário — mas como o Brasil irá encará-lo. Se transformado em política pública, com qualificação e reconhecimento, o trabalho de cuidador pode se tornar uma das profissões mais estratégicas do século. Se continuar sendo tratado como um improviso feminino e doméstico, será apenas mais uma face da desigualdade brasileira. A escolha está posta. E o tempo, correndo.