BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Capacidade de tração de trens, velocidade média, raio mínimo da curva do traçado, quantidade de carga a ser transportada por dia. Esses são apenas alguns exemplos dos dados que um grupo de especialistas da estatal China State Railway Group, controladora das ferrovias chinesas, pediu ao governo brasileiro.
A solicitação, entregue no dia 16 de junho à cúpula do Ministério dos Transportes e obtida pela Folha, mostra que os chineses querem entrar nas concessões logísticas do Brasil e fazem cálculos finais para dar seus lances em projetos ferroviários, além de portos, hidrovias e até rodovias, repetindo um movimento que já consolidaram no setor elétrico.
O raio-X dos projetos nacionais, com estimativas de crescimento de produção do agronegócio e setor mineral, foi pedido aos Transportes, incluindo órgãos como ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), Infra SA, Secretaria Nacional de Transporte Rodoviário, Secretaria Nacional de Portos e Secretaria Nacional de Hidrovias e Navegação.
O ministério, ao pedir que cada órgão reúna os dados, alertou para que se compartilhe somente dados públicos e que se tome cuidado com informações de caráter sigiloso.
Por trás desse movimento, está uma série de reuniões e encontros bilaterais realizados nos últimos meses, incluindo visitas presidenciais entre Brasil e China e constantes viagens de equipes técnicas de ambos os países.
A movimentação chinesa ocorre pouco depois da ida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Pequim, em maio, para participar do Fórum ChinaCelac, que reúne países da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos. No encontro, foi feita declaração de apoio ao livre comércio e assinatura de 20 acordos bilaterais e anunciada a atração de cerca de R$ 27 bilhões em investimentos chineses no Brasil, com foco também em projetos de energia renovável e mobilidade.
Em maio, uma delegação de 11 autoridades chinesas fez visitas de campo a obras como as ferrovias Fico e Fiol, que pretendem cortar o Brasil de leste a oeste, interligando a área produtora de grãos de Mato Grosso ao litoral baiano, em Ilhéus. O grupo chinês também passou pelo porto de Santos, que está próximo de realizar o leilão de seu novo terminal de contêineres, previsto para ser o maior empreendimento deste tipo já realizado pelo Brasil.
O governo brasileiro pretende consolidar as informações até o dia 2 de julho. O movimento é visto como etapa preparatória para investimentos chineses no setor logístico. “Não é de agora que estamos tratando desses temas com a China. Na prática, o que está ocorrendo, neste momento, é a formalização do governo chinês em busca de dados técnicos para embasar suas prioridades”, disse à Folha o ministro interino dos Transportes, George Santoro.
Na área portuária, os chineses também pediram dados sobre os portos fluviais de Manaus, Santarém, Itaituba, Barcarena, todos vocacionados para ampliar a saída de carga do agro pelo “arco norte do país”. A integração com o porto de Chancay, no Peru, com saída de carga pelo Pacífico, também é um dos temas do levantamento técnico. Isso passa por dados de volume de tráfego de corredores como a BR-163, BR-364, BR-060, BR-080.
Dados de hidrovias da amazônia, como o rio Madeira, também foram solicitados, assim como informações sobre empresas de navegação, tarifas, cronogramas e carga transportada nos últimos cinco anos.
“Estamos conduzindo o estudo conforme planejado, mas durante o processo identificamos que alguns dados básicos precisam ser coletados com mais profundidade, como o consumo e transporte de grãos no Brasil, avaliação financeira dos projetos da Fiol e da Fico, normas técnicas e condições de operação de algumas ferrovias, rodovias e portos”, escreveu o Centro de Avaliação de Projetos de Engenharia da China State Railway Group, em carta ao Ministério dos Transportes.
A reportagem procurou associações e instituições que atuam como intermediários dos negócios entre Brasil e China, mas não quiseram se posicionar sobre o assunto.
A presença dos chineses na área logística nacional, apesar de menor que a investida no setor elétrico, já coleciona peças importantes no quebra-cabeça dos transportes. No setor portuário, a Cofco, conglomerado agrícola da China, controla um terminal em Santos (STS-11) desde 2022. Já a estatal China Merchants Port tem atuação no terminal de contêineres de Paranaguá.
O plano do governo de criar uma nova rota ferroviária no país, ligando o agro do Centro-Oeste ao Atlântico, chamou a atenção dos chineses, porque lhes daria o controle de boa parte da carga produzida pela América Latina, tendo Chancay no Pacífico e o Porto Sul, na Bahia, no Atlântico.
Principais pedidos dos chineses:
– Dados financeiros e de projeto das ferrovias em construção, principalmente Fico (Ferrovia de Integração Centro-Oeste) e Fiol (Ferrovia de Integração Oeste-Leste)
– Dados técnicos e operacionais das ferrovias Norte-Sul, Ferronorte (Rondonópolis-Santos), estrada de ferro Carajás e estrada de ferro Vitória-Minas
– Volumes de carga importada e exportada por ferrovia, entre 2019 e 2024
– Normas e fluxo de tráfego em rodovias (BR-163, BR-364, BR-060, BR-080)
– Capacidade e planos de expansão de portos fluviais e marítimos
– Condições de navegação no rio Madeira, com dados sobre navegação interior, empresas, cronogramas e tarifas
– Rotas e destinos de soja e milho do Centro-Oeste e exportações por porto
– Distribuição internacional de grãos por estado (MT, GO, RO, MS)