SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Ozempic vai atrapalhar as vendas de cerveja? O Mounjaro pode ajudar as companhias aéreas a reduzir seus custos com o combustível? O Wegovy vai impulsionar as compras de roupas? E o que vai ser das academias de ginástica?

A classe de novos remédios usados para emagrecer é vista hoje como um fenômeno capaz de provocar efeitos que podem ir além da saúde, gerando reflexos econômicos em outras indústrias. Mas ainda falta provar isso na prática.

Projeções de benefícios ou prejuízos respingados em diversos setores circulam em relatórios de analistas e nas conversas dos empresários, mas os prenúncios de uma revolução dos negócios liderada pelos chamados agonistas do GLP-1 ainda são imprecisos.

Em maio, o CEO da JBS, Gilberto Tomazoni, durante a apresentação dos resultados da companhia, relatou um impulso no mercado de carnes.

Como esses medicamentos imitam um hormônio intestinal para sinalizar ao cérebro que a pessoa está saciada, eles ajudam a frear o apetite e reduzir gordura. Mas também provocam a perda de massa magra –um efeito colateral que, para ser evitado, exige uma dieta rica em proteínas e exercícios, por recomendação de médicos.

“Essas novas drogas de emagrecimento demandam um consumo maior de proteína para não ter o efeito negativo da perda de massa muscular. Então, isso tem levado a uma demanda global de consumo de proteína. Não é uma proteína ou outra, são todas as proteínas”, disse Tomazoni.

Questionada pela reportagem, a JBS não revela números da possível correlação entre a demanda por carnes e os inibidores de apetite no Brasil, mas a empresa diz acompanhar o tema. Entre suas marcas brasileiras, a Seara tem ampliado o portfólio com produtos de alto teor proteico desenvolvidos por um centro de inovação.

Na prática, até dentro das fronteiras farmacêuticas, ainda é difícil prever o potencial da transformação econômica desses remédios.

No mês passado, a Goldman Sachs divulgou novas estimativas de vendas, alertando que o mercado de medicamentos antiobesidade pode ser menor do que o esperado. Pelos novos cálculos –que abarcam hipóteses de mudança de preços e abandono de tratamentos–, o mercado global desses produtos deve alcançar US$ 95 bilhões até 2030, ante US$ 130 bilhões das projeções anteriores.

Quando as primeiras pesquisas nos EUA indicaram a possibilidade de um contágio nas vendas de outros segmentos, as principais estimativas sinalizavam queda no consumo de alimentos pelos usuários de GLP-1, incluindo lanches, refrigerantes e produtos ricos em carboidratos.

Para se adequar aos prognósticos, a Nestlé lançou em 2024 nos EUA uma linha de pizzas congeladas e massas com proteína, projetada para tais consumidores.

Outra gigante dos alimentos, a Danone também relata mudanças no interesse do cliente por alimentos com proteína. Mas Arthur Lorenzetti, executivo de nutrição especializada da Danone Brasil, atribui essa tendência a mais fatores além dos emagrecedores, incluindo o aumento da preocupação com a saúde e da prática de atividades físicas e a longevidade.

Segundo a Danone, suas marcas de maior valor proteico, como Nutridrink e YoPro, têm ganhado destaque.

Já no mercado de bebidas alcoólicas, a expectativa é de redução na demanda. Em fevereiro, um novo estudo sinalizou que a semaglutida, substância do Ozempic e do Wegovy, pode ajudar a conter o desejo pelo consumo de álcool.

Em nota, o Sindicerv (Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja) afirma que o setor está acompanhando as discussões sobre o tema, mas sua metodologia de análise não mostra mudanças relevantes no comportamento do consumidor.

“A indústria da cerveja é versátil e sempre acompanha as dinâmicas de consumo, ampliando seu portfólio para diferentes ocasiões e perfis de consumidores”, diz a entidade, que reúne fabricantes como Ambev e Heineken.

Para o empresário Edgard Corona, CEO da rede de academias de ginástica Smart Fit, alguns sinais já são concretos. “Tem mudanças ligadas a longevidade, saúde e padrões alimentares, uma redução geral na obesidade da população, na pressão arterial e questões musculares. Em algum tempo, a patente dessas novas drogas vai cair, reduzir os preços e elevar o acesso. Quando você junta tudo isso, tem um mundo diferente”, diz.

Pelos números da Goldman Sachs, em países fora dos EUA, e excluindo a China, pode haver mais de 300 milhões de pacientes obesos e não diabéticos.

Corona afirma que o mercado de academias no Brasil recebeu de 3 milhões a 4 milhões de novos usuários em menos de dois anos –um crescimento que ele atribui ao aumento da oferta de estabelecimentos e aos fatores comportamentais, sendo que uma parte pode estar ligada à necessidade de manutenção da massa muscular para quem consome os emagrecedores.

No caso das companhias aéreas, a hipótese é que haveria economia de combustível devido à redução no peso dos passageiros dentro do avião, segundo relatório do banco de investimento Jefferies Financial que repercutiu na mídia americana.

No Brasil, porém, o tema não reverberou. A associação setorial Abear diz que não tem dados que relacionem o consumo de combustível de aviação com o uso dos remédios. “O cálculo do consumo de combustível de um avião é complexo e depende, além de outros fatores, do tipo de aeronave, rota, distância e idade da aeronave e dos motores”, diz em nota.

Outro setor que ainda não vê impactos é o vestuário, a despeito das previsões de que o emagrecimento vai exigir renovação do guarda-roupas dos consumidores.

“Os efeitos no aumento de vendas de tamanhos menores de roupas ainda não estão caracterizados. O que se constata é o aumento da procura por roupas que trazem bem-estar, o chamado athleisure, estilo que combina roupas esportivas com casual. Percebe-se a mudança de hábitos das pessoas frequentando mais academias e cuidando do corpo. Os emagrecedores são mais um elemento nisso”, diz Edmundo Lima, diretor da ABVTEX, associação do varejo têxtil, que reúne nomes como C&A e Renner.