SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Envelhecer era improvável para os jovens LGBTQIA+ no Brasil dos anos 1980, marcados pela epidemia de HIV e pela ditadura militar. Chamada de “câncer gay”, a Aids matou mais de 148 mil pessoas no país entre 1982 e 2002. Quatro décadas depois, aquela geração chega à velhice. A exposição “O Mais Profundo é a Pele”, em cartaz no Museu da Diversidade Sexual de São Paulo, celebra essa trajetória.

Vinte e cinco homens e mulheres, cis e transgêneros, posam nus para a câmera analógica de Rafael Medina. O fotógrafo de 42 anos se dedica há mais de uma década a retratar a vida queer e explorar temas como intimidade, sexo e afeto na comunidade.

A mostra surgiu de um questionamento próprio sobre como seria envelhecer sendo gay. Sua primeira tentativa de responder a essa pergunta foi em 2017, em Berlim, com a coletânea de fotos “Skin Deep”, que retratou homens homossexuais de 60 anos ou mais na Alemanha. Mais recentemente, voltou ao Brasil com vontade de estender a investigação para as outras letras da sigla.

Para ele, o país cultua a juventude e subestima a velhice, apesar de estar envelhecendo. “Principalmente para os homens gays, há essa necessidade de ser eternamente jovem. Mas o estereótipo de perfeição física oprime todo mundo, inclusive as gostosas”, diz.

O ator carioca Márcio Januário, 63, diz que era considerado um símbolo sexual quando jovem. O corpo sarado de bailarino e os cabelos enrolados e compridos rendiam comparações com Gal Costa e Sônia Braga.

Mais velho, afirma que é preciso falar mais sobre afeto entre homens gays pretos. “Passei a minha vida toda vendo o galã branco beijando a mocinha branca no final da novela. É difícil lidar com o afeto quando você não tem referências. As pessoas te olham e querem que você seja bem dotado, ativo, que cumpra aquele papel do ‘negão cafajeste’”, diz.

Para Márcio, a relação dos homens gays com a sexualidade e a autoexpressão é diferente da vivida por mulheres lésbicas. Elas, diz, conseguem com mais frequência construir família e firmar relações afetivas duradouras, enquanto os homens se apegam a uma imagem de juventude.

Maria Lúcia de Souza, 63, por outro lado, deseja que as lésbicas de sua idade possam experimentar mais dessa liberdade. “A minha geração de mulheres foi criada para ser mãe, para ser dona de casa. As homossexuais não escaparam disso. Então, as que tiveram filhos estão hoje cuidando dos netos, e as que não tiveram, assumem os filhos e netos da companheira”, diz.

Ela se assumiu aos 34 anos, quando, casada e com dois filhos, se apaixonou por uma colega de faculdade. Nas fotografias para a exposição, aparece com os seios à mostra, ato que diz ter exigido coragem. “Olho meu corpo e me vejo bela. Me ver nua, assim como assumir minha sexualidade, me faz ter mais consciência de que eu existo”, diz.

“O mais profundo é a pele”, que dá título à mostra, é uma frase do filósofo francês Paul Valèry que sugere que, apesar de ser a camada mais superficial do corpo, a pele expressa as emoções e experiências humanas mais íntimas. Em suas fotos, Rafael Medina subverte o significado, afirmando que a pele é também o ponto onde não existem mais barreiras entre o sujeito e o outro.

A aproximação entre o fotógrafo e os personagens é clara nas fotos, que retratam, além dos rostos, as dobras, pelos e cicatrizes dos corpos.

“Queria criar referências que fossem reais, não estereotípicas. Para os héteros, que já têm o envelhecimento como algo dado, é difícil escapar das ideias que já existem sobre velhice. Mas para nós, pessoas LGBT+, há espaço para inventar a velhice que a gente quiser”, diz Medina.

A mostra “O Mais Profundo é a Pele” é um desdobramento do tema da Parada do Orgulho deste ano, “Envelhecer LGBT+: Memória, Resistência e Futuro”. Além de retratos, o espaço exibe vídeos das entrevistas realizadas com os fotografados.

André Fischer, diretor de comunicação da Parada e curador da mostra, diz que as imagens servem para tensionar as referências de beleza e desejo. “O Brasil é um país ao mesmo tempo libertino e conservador. É preciso reconhecer os avanços, mas não dar por garantidos nossos direitos como comunidade.”

O MAIS PROFUNDO É A PELE

– Quando Ter. a dom., das 10h às 18h

– Onde Museu da Diversidade Sexual, na Estação República do Metrô – r. do Arouche, 24, São Paulo

– Preço Grátis

– Classificação Livre