FOLHAPRESS – Johanne tem um segredo que considera terrível. Uma pré-adolescente, ela se apaixonou por sua professora de francês do colégio, Johanna, e não tem a menor ideia de como lidar com o fato. A garota agoniza no seu próprio desejo, sabendo que se trata de um amor impossível.

A situação chama todas as atenções no filme “Dreams”, ainda que o drama passe longe do absurdo. Paixões platônicas são tão normais na juventude quanto espinhas e vozes desafinadas, afinal, e Johanne vive os sintomas clássicos. A única diferença? Ela escreve sobre a experiência para aliviar o seu sofrimento, traduzindo bem até demais as suas dores para o papel.

O manuscrito logo vira o pomo da discórdia no longa. A avó e a mãe da garota se chocam de formas diferentes com o relato, batendo cabeça inclusive sobre se o texto deve ou não virar um livro. No processo, o diretor norueguês Dag Johan Haugerud explora o desejo com boa dose de humor, em diálogos irreverentes e desdobramentos inesperados.

A obra encerra uma trilogia do cineasta sobre relações humanas, junto de “Sex” e “Love”, e venceu o Urso de Ouro no último Festival de Berlim. “Dreams” é o melhor dos três filmes e o mais distante da lógica da série, apesar de rimas como a aparição da praça da prefeitura de Oslo —dessa vez bem pontual.

O longa mantém a ideia de dois personagens com perspectivas diferentes em um mesmo assunto, mas a trama se concentra no dilema da paixão de Johanne pela professora ao invés de seguir duas histórias paralelas.

O roteiro também se divide em dois momentos, com estilos narrativos diferentes. A primeira parte mostra o convívio de Johanne com Johanna e apela a uma longa narração da primeira, com lógica de flashback. Já a segunda mostra as reações da família e de pessoas próximas ao manuscrito, preferindo a observação dos personagens.

Essa divisão faz com que o longa de Haugerud só comece mesmo lá pela metade, mas a reta inicial, com a garota, rende momentos hipnóticos. Johanne verbaliza ao espectador aquilo que escreve em seu futuro livro, e o texto dá conta de um misto de infelicidade e amor muito particulares e reconhecíveis a qualquer um na plateia.

As desventuras da protagonista para se destacar diante da professora também fazem rir pelo ridículo. A menina entra em desespero diante de questões mínimas, lendo os sinais de forma equivocada. Uma noite, por exemplo, ela vai até a casa da instrutora e se satisfaz quase que sexualmente com um toque de braço no sofá, durante uma sessão de tricô.

Parte da beleza de “Dreams” está na tradução deste sentimento conflituoso da protagonista. Haugerud leva a sério o desejo de Johanne, e entre uma e outra cena mais engraçada o diretor toma tempo para fazer valer o que ela descreve na narração. O longa em alguns momentos tem a lógica de um sonho juvenil —algo passageiro, muito sofrido e com sua dose de beleza.

Já a segunda parte do longa faz a análise dessa paixão platônica da garota. A avó e a mãe da protagonista têm visões diferentes do ocorrido —a primeira acha a situação normal e encoraja a publicação do manuscrito, enquanto a última se choca com o conteúdo, incapaz de processar que a filha já tenha idade para os sentimentos descritos.

Haugerud aí também põe em xeque a percepção do público sobre o caso, e o espectador pode entender os personagens como representações sutis de discursos progressistas e conservadores. Nesse ponto, “Dreams” é uma história de amadurecimento clássica, uma premissa bastante utilizada em produções LGBTQIA+ nos últimos anos.

Mas o filme vai além, atingindo temas mais essencialistas na percepção do desejo —seja este o próprio ou o do próximo. O enfoque geracional também ganha espaço. A percepção gradual da mãe sobre a maturidade da filha rende bons momentos na trama, que se desenrola no bate e rebate emocional das três mulheres da família.

Tudo isso é muito curioso, considerando a origem da situação. “Dreams” começa de uma relação quase inexistente, um desejo fugaz e idealizado, e aos poucos chega a uma intimidade palpável, quase aconchegante. O filme é emocionante pelos mínimos detalhes.

DREAMS

– Avaliação Muito bom

– Quando Em cartaz nos cinemas

– Classificação 14 anos

– Elenco Ane Dahl Torp, Selome Emnetu e Ella Øverbye

– Produção Noruega, 2024

– Direção Dag Johan Haugerud