SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Francisco Hurtz olha para o corpo masculino há 20 anos. A sua exploração do que é ser um homem gay no século 21 toma diversas formas -polaroides de festas de sexo retratando os rapazes de pênis em riste, pinturas de bíceps talhados na musculação, desenhos de garotos com as pernas cortadas amparados por muletas. Há também obras existencialistas, como um neon de um menino com a cabeça sobre os braços, a pensar.

“Boys! Boys! Boys!” diz, oportunamente, o nome da exposição do artista, em cartaz até 19 de julho na galeria Verve, no centro de São Paulo. A mostra com 57 obras é um recorte amplo da carreira do ilustrador, pintor e fotógrafo paulistano, um personagem conhecido das cenas artística e noturna da cidade pelo seu look todo preto e fala superveloz, como quem processa um turbilhão de informações ao mesmo tempo.

Seu trabalho, diz Hurtz, serve para dar atenção a figuras marginais, num contexto em que elas foram invisibilizadas pela presença total de homens heterossexuais, honrados com estátuas nas praças das cidades, rostos estampados nas cédulas de dinheiro e posições de poder. “Vou colocar a minha bicha pelada transando [no meu trabalho]”, ele afirma, numa conversa na galeria, com a segurança de quem faz isso desde antes das pautas identitárias dominarem as mostras das galerias e dos museus.

Hurtz conta que sempre soube que queria ser artista, “desde os 16 anos”, mesmo que não conhecesse artista algum e, tendo sido criado na periferia paulistana, não viesse de família rica. O artista começou a faculdade de arquitetura e chegou a estagiar como desenhista técnico e de paisagismo, mas foi demitido de todos os lugares em que trabalhou, diz, porque seu traço era muito característico e não servia para os arquitetos aos quais devia agradar.

Quando tinha 20 e poucos anos, largou a faculdade e se jogou na noite. Frequentava o extinto clube Torre do Dr. Zero -um marco na noite descolada paulistana–, onde também atuava como DJ de rock. Ele vivia “um ritmo clubber pesado, loucura de noite, de droga, de tudo”, lembra. Numa das festas, conheceu as sócias da antiga galeria Emma Thomas, que passou a representar o artista na época, no que foi a sua introdução ao mercado de arte.

Por volta de 2011, ele conseguiu que seus desenhos fossem publicados na revista gay americana Butt, o que impulsionou sua ascensão no circuito de São Paulo, fazendo seu nome circular entre colecionadores e interessados. Hurtz também posou nu para a publicação.

Naqueles anos, o artista desenhava, em manuais de montagens de móveis, homens nus em posições sexuais, como se os corpos se encaixassem uns nos outros tipo as peças de madeira de uma estante –algumas destas obras estão na mostra na Verve. Nos anos seguintes, os desenhos de Hurtz, aptos a serem tatuados por serem feitos de contornos, passaram a estampar as peles de seus admiradores.

“Meu trabalho é muito mais forte tatuado do que no papel. Ele é muito mais potente quando tem corpo, tem história, tem pele, textura, quando tem alguém por trás do desenho”, afirma.

Hurtz é representado pela galeria Verve, especializada em descobrir artistas mais jovens, desde 2017. Hoje estabelecido no mercado aos 40 anos, o artista diz que os colecionadores sempre aceitaram os seus trabalhos, muitos deles com teor pornográfico, de sexo explícito mesmo, a exemplo da série de polaroides que fez de amantes e amigos e que está na exposição.

O problema são os museus -o artista não tem nenhuma obra nas coleções das instituições paulistanas. “Instituição tem resistência mas colecionador, não. [Há uma] necrofilia em relação a artista gay, que eles [os museus] só gostam de artista gay morto, não pode estar saudável, vivo. Artista gay que fala de sexo abertamente paga esse preço”, afirma.

Ele cita o fato de Leonilson e Hudinilson Jr., talvez os dois principais artistas gays da história da arte brasileira, ambos mortos, serem temas de exposições com frequência, e critica a pouca atenção dada a Victor Arruda, um pintor homossexual vivo que Hurtz conta ter conhecido pela publicação de seus quadros na extinta revista de nus masculinos G Magazine.

Independente disso, os trabalhos de Hurz em exibição na Verve são “divertidos, engraçados, coloridos”, como define o artista. Na ativação da obra “Have a Seat”, por exemplo, três criadores de conteúdo adulto ficaram nus e fizeram uma performance na qual puxavam o elástico da roupa íntima de um deles, que estava sentado em uma cadeira, de costas, com o bumbum à mostra.

Se a estética de Hurtz soa provocativa, sua intenção é esta mesmo. “O empresariado não vai querer meu trabalho. Não ter na casa de banqueiro. Meu trabalho vai sempre estar na casa de um gay.”