BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), rebateu alegações de que a corte é responsável por uma lentidão na execução de emendas parlamentares.
“Quanto a uma suposta lentidão na execução, há uma ideia geral de que isso foi definido exclusivamente pelo Supremo. As exposições lembraram que foi uma conversação de todos os Poderes. É um processo em curso”, disse.
A declaração foi dada nesta sexta (27) em audiência pública chamada pelo ministro para tratar da execução das chamadas emendas impositivas ao Orçamento. Em ao menos dois momentos o magistrado abordou o tema. Ele negou haver qualquer demora no trato das liberações.
“Foi uma concertação de todos os Poderes que resultou na Lei Complementar 210, dirigindo o plano de trabalho. Lembrando, portanto, que este novo rito derivou de uma deliberação de todos os Poderes, não só do Supremo”, afirmou.
Os presidentes da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), tinha a presença prevista na audiência e ensaiavam, segundo a Folha mostrou, usar o espaço para dar recados à corte sobre a matéria.
Ambos cancelaram, no entanto, a ida já durante o andamento da sessão.
O controle do Congresso sobre o Orçamento federal foi construído ao longo dos últimos dez anos e é a principal razão do atual empoderamento de deputados e senadores.
As emendas parlamentares somam R$ 50 bilhões ao ano. Desse valor, 77% é de caráter impositivo, ou seja, de execução obrigatória pelo governo.
Ainda na abertura da sessão, o ministro disse que, quando se trata de dinheiro privado, cada um gasta como bem entender, mas a verba é pública, e é preciso atenção às determinações constitucionais.
“O esclarecimento que faço é na suposta lentidão do STF na execução do dinheiro público. Obviamente, quando se trata do direito privado, cada um tem a plena autonomia de gastar onde, na forma, e na velocidade que desejar. No caso do direito público, é claro que existe um devido processo regrado na Constituição. Burocracia é inerente à boa aplicação do direito público. Obviamente pode haver uma complicação nos meios, mas o objeto é a fidelidade à Constituição”, afirmou.
O governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), representou o Fórum Nacional de Governadores. De acordo com ele, o tema é importante para todos os níveis da federação não só porque os estados são receptores de emendas, mas porque os chefes dos executivos locais têm de gerir as emendas criadas por simetrias nas assembleias.
“Hoje esse mecanismo serve muito mais como instrumento de gestão política e de interesses individuais que de interesse coletivo. No meu estado, são R$ 600 milhões aplicados e as anomalias começam a acontecer, já criaram as emendas de bancada.”
O orçamento impositivo foi aprovado em 2015 para tornar obrigatória a execução das emendas parlamentares individuais ao Orçamento. Em 2019, a exigência de pagamento foi ampliada para as emendas de bancadas estaduais.
Pela manhã, todas as falas foram duras em relação ao mecanismo, usando termos como “anomalia”, “estado de coisas inconstitucional”, “distorção” e “instrumento de interesse individuais”. À tarde, os representantes das duas Casas do Legislativo defenderam o sistema.
Gabrielle Tatith Pereira, advogada-geral do Senado, defendeu que o surgimento das RPs (códigos de identificação) deu transparência e rastreabilidade à execução das emendas –justamente os pontos citados por Dino em boa parte das decisões.
“A impositividade surge como um importante instrumento de preservação das minorias parlamentares na alocação de recursos públicos orçamentários, garantindo equidade no tratamento dos entes federados e dos representantes eleitos”, disse.
Pela Câmara, falou o advogado Jules Michelet, que reforçou o argumento das minorias parlamentares e falou, também, na democratização do orçamento, feita, segundo ele, dentre outros meios, pelas emendas.
“Quando a gente fala de emendas, fala com evidência anedótica. O deputado que assaltou isso ou aquilo. Mas eu trouxe casos de emendas do ano 2022: Uma de R$ 250 mil, para promoção e defesa de direitos humanos no campo das mulheres; outra de promoção e defesa de direitos humanos para todos; outra [para] promoção de direitos humanos para a população LGBTI+, e para portadores de HIV/Aids. Por que 2022? Esses parlamentares eram de oposição. Eles indicaram emendas para políticas públicas que não estavam, digamos assim, no cardápio do ‘Poder Executivo de ocasião'”, disse.
Em 2015, cada deputado e senador tinha sob seu controle R$ 16 milhões, e o governo tinha a possibilidade de não pagar nenhum centavo, se quisesse.
Neste ano, cada deputado indicou R$ 37,3 milhões em emendas individuais, e cada senador, R$ 68,5 milhões. No caso das bancadas, cada estado receberá R$ 528,9 milhões. Agora, o governo é obrigado a executar esses valores.
O aumento estimado total, segundo cálculos do economista Felipe Salto, foi de 700%. De acordo com ele, os problemas são de falta de transparência, ineficiência do uso dos recursos, e uma enorme dificuldade para execução da política fiscal, além do fato de amarrar o Executivo.
“É importante devolver ao Executivo a gestão do orçamento. 92% está no piloto automático. Os outros 8% estão cada vez menores. O Executivo só tem isso para entregar metas fiscais mínimas com vistas à sustentabilidade fiscal”, disse, na audiência.
Márcia Semer, representando a Associação Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia, afirmou que a introdução da figura das emendas impositivas constituiu uma subversão do modelo definido pela Constituição.
“Trata-se de usurpação ilegal e ilegítima de competência própria do Executivo, cuja nulidade merece ser reconhecida por este STF. Ainda, ferem de morte o principio de impessoalidade, que orienta a despersonalização da administração pública com a intenção de dissociar a política pública da pessoa do político. Ela ressuscita a figura do politico benfeitor, para a realização de uma obra determinada sem qualquer lastro com politicas organicamente estruturada, receita certa do fracasso da nação”, afirmou.
A professora de finanças públicas da FGV Élida Pinto relacionou o mecanismo a escândalos históricos do Parlamento.
“Faz 31 anos que o Congresso Nacional teve uma CPI sobre os anões do orçamento. E esse mesmo problema se repete, e me lembra a música do Cazuza: ‘Eu vejo o futuro repetir o passado’. As recomendações da CPMI eram para controlar transferências voluntárias”, disse.
Já o advogado-geral da União, Jorge Messias, defendeu a atuação harmônica e uma negociação madura entre os Poderes para a solução do tema. “Para isso, é fundamental que cada instância respeite o papel da outra, evitando o acentuamento de conflitos que possam interditar o progresso e perturbar a busca do interesse público”, disse.
Messias afirmou que as ações em discussão foram apresentadas antes da edição da lei complementar de novembro de 2024, editada após o diálogo institucional visando a consensos entre os Poderes.
A fala do ministro focou no que chamou de avanços depois das primeiras decisões do Supremo, dos diálogos entre os Poderes e da lei do fim de 2024.
“A lei complementar 210 apresenta avanço significativo no controle do crescimento das emendas, ao estabelecer um limite de crescimento vinculado ao crescimento das despesas discricionárias para as emendas impositivas e à inflação para as emendas discricionárias”, afirmou Messias.
Segundo informações da AGU, já existem 20 portarias cardápios, que são as normas dos ministérios a respeito da alocação das emendas.
As emendas ao Orçamento são o instrumento usado pelos parlamentares para enviar dinheiro para obras e investimentos em suas bases eleitorais. Os recursos costumam ser trocados por apoio nas eleições, e parte da verba também é objeto de investigações sobre supostos desvios e fraudes.