SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As Forças Armadas de Israel abriram uma investigação nesta sexta (27) para apurar se soldados do país atiraram contra palestinos desarmados em fila para obter comida na Faixa de Gaza, o que configura crime de guerra.
No último mês, se multiplicaram relatos de ataques contra concentrações de palestinos do território, que só tem na organização bancada por Israel e os Estados Unidos, a FHG (Fundação Humanitária de Gaza), fonte para obter alimentos durante o bloqueio imposto por Tel Aviv desde que o cessar-fogo entre o Estado judeu e grupo terrorista Hamas colapsou, no fim de março.
Nesta sexta, o jornal israelense Haaretz, que adota uma linha crítica ao governo de Binyamin Netanyahu, publicou uma reportagem com relatos chocantes atribuídos a soldados e oficiais que atuam em Gaza. Segundo eles, a ordem para atirar nos civis veio de cima.
De acordo com o governo de Gaza, controlado ainda pelo Hamas, 549 pessoas foram mortas na região desde 27 de maio, elevando a mais de 56 mil o número total de vítimas número contestado por Israel por não diferenciar civis de terroristas. O período coincidiu com o ataque de Israel, ajudado depois pelos EUA, ao Irã, que desviou completamente o foco do noticiário da crise humanitária em Gaza.
Um dos soldados ouvidos pelo Haaretz disse que o uso de munição fatal contra multidões foi determinado, independentemente de haver ameaças. Ele chamou Gaza de um “campo de extermínio”, termo com especial ressonância no Estado judeu, formado após o Holocausto nazista.
Netanyahu rebateu o relato com outra terminologia simbólica: o chamou de “libelo de sangue”, termo utilizado para se referir a acusações baseadas em antissemitismo, numa alusão à antiga crença medieval de que os aderentes da religião judaica usavam sangue de cristãos em rituais.
O ministro da Defesa, Israel Katz, foi na mesma linha. Ele e a chefia do Exército negaram ter dado qualquer ordem do tipo, mas também determinaram a investigação.
O caso agitou Israel, que ainda celebra o fato de ter tido uma vitória militar sobre o Irã, ainda que tanto a teocracia como seus rivais digam ter saído vencedores. O premiê viu sua aprovação e chances eleitorais subirem em pesquisas. A volta do foco a Gaza renova a pressão sobre Netanyahu, dada a catástrofe em curso.
FOCO EM GAZA PRESSIONA TEL AVIV
Israel atacou o território após o mega-ataque terrorista do Hamas de 7 de outubro de 2023. Ainda há 50 dos 255 reféns tomados pelos palestinos naquele dia em poder do grupo, com 28 deles já declarados mortos.
O Hamas, como governo e organização com poder militar, foi desmantelado, assim com o aliado regional Hezbollah no Líbano o próprio Irã, patrono de ambos, também sofreu forte revés. Mas Netanyahu continuou sua guerra, mesmo sem conseguir resgatar os cativos remanescentes.
Chegou a estabelecer um cessar-fogo com o Hamas na véspera da posse do aliado Donald Trump, em janeiro, mas o arranjo desandou. Seus críticos dizem que ele precisa manter o conflito para reter apoio da direita radical religiosa que sustenta o seu governo e, por ora, vem atrasando seu julgamento por corrupção.
Seja como for, desde então, Tel Aviv faz um bloqueio que organizações internacionais denunciam como uma tentativa de asfixiar a região por meio de fome. Apenas uma entidade privada, a FHG, pode operar lá dentro. A ONU considera sua ação irrisória e imparcial, e, a essa acusação, agora há questão dos massacres de civis esfomeados.
O secretário-geral das Nações Unidas, o português António Guterres, disse nesta sexta que a operação do órgão é “inerentemente insegura” e está “matando pessoas”. “As pessoas estão sendo mortas por tentar alimentar suas famílias. Buscar comida nunca deve ser uma sentença de morte”, afirmou.
A fundação, desconhecida até então, surgiu como fonte quase única de comida quando o bloqueio total de 11 semanas foi levantado por Israel, em 19 de maio. Alguma ajuda da ONU também entrou, mas em menor quantidade.
A entidade nega as acusações. “É uma pena que a ONU continue a promover informação falsa sobre nossas operações”, disse o grupo, em nota. A FHG tem apoio logístico de empresas privadas de segurança americanas, e o governo Trump aprovou uma doação de US$ 30 milhões para ela nesta semana.
TRUMP E NETANYAHU QUEREM PAZ EM SEUS TERMOS
Enquanto o drama se desenrola, Israel e os EUA sem mexem para tentar uma acomodação maior na região após a guerra contra o Irã. Na segunda, uma comitiva israelense irá à Casa Branca para debater os termos.
Tanto Netanyahu quanto o negociador-chefe de Trump, Steve Witkoff, deram declarações vagas dizendo que uma nova arquitetura de paz regional está prestes a emergir dos conflitos, dando sequência aos Acordos de Abraão nome que remete à figura comum na história do judaísmo, cristianismo e islamismo.
Firmados no primeiro governo do republicanos, eles selaram a paz entre Israel e diversos adversários, do Marrocos aos Emirados Árabes Unidos. O 7 de Outubro interrompeu a joia da coroa do processo, um tratado com a Arábia Saudita, adversária regional do Irã.
Segundo relatos na mídia israelense, o governo Netanyahu quer avançar com isso agora, aproveitando a fragilidade de Teerã e a demonstração de força de Tel Aviv e Washington, e sonha em ver não só os sauditas, mas a vizinha Síria no pacote.
Governada por uma família anti-Israel por meio século até o ano passado, a Síria era o centro logístico do Irã na região.
Agora, tem no poder uma frágil aliança de rebeldes islâmicos surgidos de nada menos que a rede terrorista Al Qaeda, mas que vendem moderação para se relacionar com o Ocidente Netanyahu mesmo operou de outra forma, ocupando faixas no sul do país para ter profundidade estratégica e poder de barganha.