SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Com dificuldade de encontrar trabalho e preocupada com as condições de seu país, Lourdes Alejandra Guzman, 34, deixou La Paz, na Bolívia, em março de 2022 para morar em São Paulo. Junto com a filha, de 11 anos, ela mudou para o Brasil, onde seu pai já morava havia quase dez anos.

“Nós amamos a Bolívia, mas nesse momento não há condição de continuar morando lá. Não há trabalho, o sistema de saúde é muito ruim. Não queria criar minha filha nessa insegurança”, diz ela.

Há três anos morando na capital paulista, Lourdes considera que já está totalmente adaptada ao ritmo da cidade e à cultura brasileira. “São Paulo é muito grande, muito agitada. É muito diferente do que estava acostumada em La Paz, mas eu gosto muito dessa dinâmica.”

A migrante faz parte do maior contingente que chegou do exterior para a capital paulista de 31 de julho de 2017 a 31 de julho de 2022 —período analisado pelo Censo Demográfico 2022. Os dados foram divulgados nesta sexta (27) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Com 11.566 residentes em São Paulo, bolivianos representam 22,2% dos imigrantes internacionais que chegaram na cidade nesse período. Em seguida estão 5.090 venezuelanos (9,8%), 4.472 americanos (8,6%), 2.407 paraguaios (4,6%) e 1.947 angolanos (3,7%). Ao todo, chegaram 52.032 pessoas de 82 países no período de cinco anos analisado pelo IBGE.

Dentro desse recorte de migrações recentes, é possível saber o país de origem dos catalogados. Isso porque durante a entrevista, os recenseadores perguntaram em qual país estrangeiro a pessoa vivia exatos cinco anos antes da data de referência do Censo —ou seja, onde ela morava em 31 de julho de 2017.

A metodologia é usada pelo IBGE desde 1991, mas na divulgação desta sexta, ainda preliminar, só foram publicados dados de municípios referentes a 2022.

Lourdes conta que tinha receio de a filha sofrer bullying por não saber falar português quando chegou ao Brasil, mas diz ter se surpreendido com a receptividade de crianças e professores. “Eu estava com muito medo de que ela sofresse discriminação, mas ela foi muito bem recebida. Os amigos na escola ficaram interessados em aprender espanhol com ela. Essa troca foi fundamental para que ela aprendesse a falar potuguês muito rápido.”

Lourdes trabalha com o pai, que é despachante especializado na regularização da documentação de imigrantes no Brasil.

Há 14 anos morando em São Paulo, a advogada boliviana Maria Anelin Suarez, 39, também trabalha para garantir a regularização e melhores condições de vida para seus compatriotas. “Nosso país ainda tem uma grande batalha pela frente antes de melhorar, então a quantidade de bolivianos que continua saindo de lá para tentar a vida no Brasil deve continuar grande nos próximos anos. São pessoas que deixam a Bolívia em condições ruins e, por desamparo e desconhecimento, acabam vivendo situações ruins aqui também”, diz.

Para evitar casos de exploração de bolivianos, ela está abrindo uma associação para ajudar imigrantes. “Há muita gente que se aproveita de quem chega em busca de uma vida melhor. São Paulo é uma cidade cheia de oportunidades, mas também cheia de riscos.”

Anelin deixou a Bolívia em 2011 com o marido e a filha, à época com 5 anos. Eles conseguiram asilo político, porque segundo ela, foram perseguidos pelo governo de Evo Morales. Foram morar em Mato Grosso do Sul, depois no Rio Grande do Norte, até mudarem para São Paulo em busca de maior oferta de emprego.

Fluente em inglês e espanhol, ela trabalhou por muitos anos como recepcionista de um hotel no centro da capital paulista. A advogada diz que não pretende voltar a morar em seu país.

“São Paulo para mim é como um país, por ter tanta gente de tantos lugares, por abrigar tantas culturas. Na juventude, eu morei nos Estados Unidos, mas encontrei o sonho americano em São Paulo. Aqui, há opção para tudo e todos e ainda há vida, não só trabalho. Você acorda no sábado e vê seu vizinho escutando música e tomando uma cervejinha.”

A venezuelana Ana Sofia Garcia Salas, 34, também chegou a São Paulo anos antes da leva recente captada no Censo 2022, assim como Anelin. Natural de Mérida, na região andina da Venezuela, ela começou a trabalhar no Banco Central do país, em Caracas, logo que se tornou advogada.

“Caracas começou a ficar um pouco complicada. Havia insegurança, eu era uma mulher morando sozinha por lá e trabalhava muito, era muito exigente, e eu queria sair para estudar.”

A jovem chegou a São Paulo em 2013 e fez mestrado na USP, analisando a política externa da Venezuela na América Latina durante o governo de Hugo Chávez.

Após o fim do mestrado e da bolsa, Ana Sofia se aproximou de coletivos como o Sarau das Américas e começou a trabalhar com projetos para apoiar migrantes na cidade, especialmente no acesso a trabalho “em condições decentes”, ela lembra.

“Tive a oportunidade de trabalhar com bolivianos na questão têxtil, conseguimos resgatar em uma ação 15 pessoas de trabalho em condições análogas à escravidão e ajudá-las a montar uma cooperativa para prestar serviços a grandes marcas.”

Depois de anos no setor, Ana Sofia voltou à academia e está prestes a concluir o doutorado, no qual estuda reformas constitucionais na Venezuela e na Bolívia. Ela vê São Paulo como uma cidade multicultural e com muitas oportunidades, embora diga que sua situação é privilegiada pelo acesso a estudos.

Recebeu, em 2019 e 2022, os irmãos, Gustavo Garcia, 37, que deixou Mérida, na Venezuela, e Eduardo Garcia, 40, que chegou do Uruguai, que vieram ao Brasil em busca de trabalho. “A adaptação foi mais rápida em relação ao meu caso, que estava sozinha. Eu tive que abrir os caminhos, digamos.”

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Maiores grupos de estrangeiros na cidade de São Paulo

Entre 2017 e 2022

Bolívia – 11.566

Venezuela – 5.090

Estados Unidos – 4.472

Paraguai – 2.407

Angola – 1.947

Peru – 1.811

China – 1.751

Japão – 1.704

Haiti – 1.663

Colômbia – 1.376

Portugal – 1.237

França – 1.136

Argentina – 1.129

Canadá – 1.088

Espanha – 1.077

Austrália – 984

México – 971

Reino Unido (Escócia, Inglaterra, Irlanda do Norte e País de Gales) – 849

Líbano – 791

Fonte: Censo 2022, IBGE