BRASÍLIA, DF E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A robusta derrota aplicada ao governo Lula (PT) na noite desta quarta-feira (25) acabou de vez com a lua de mel entre o Palácio do Planalto e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), assim como explicitou a lista de reclamações de partidos considerados aliados com a gestão petista.

Principal condutor da rebelião, Motta é filiado ao Republicanos, mesmo partido do presidenciável Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, e apadrinhado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), inelegível até 2030. Motta nega mal-estar do comando da Câmara com o governo.

De acordo com parlamentares, as motivações das reclamações com a gestão Lula vão desde o atraso na liberação de dinheiro para emendas até a suposta aliança entre governo e STF (Supremo Tribunal Federal) contra essas verbas.

Pesa ainda o discurso de petistas e governistas de que o Congresso será o responsável pelo aumento do valor da conta de luz.

A dobradinha de Motta com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), foi vista inclusive como um pedido claro do senador para que haja a demissão do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD) -fruto de desentendimento que se arrasta há meses.

Um líder da Câmara afirmou, sob reserva, que a briga de Alcolumbre com Silveira foi citada por Motta como um dos motivos de insatisfação do Senado.

No começo da sessão, Alcolumbre fez um longo discurso sobre os “jabutis” que devem beneficiar empresários do setor elétrico e aumentar a conta de luz.

O senador afirmou que repudiava “com veemência os ataques levianos e injustos que o Congresso” estaria sofrendo desde a sessão de vetos, no último dia 17, e disse que havia “demagogia e desinformação”.

Até mesmo parlamentares da base acusam Silveira de não agir para impedir que os vetos de Lula -que evitariam o aumento da conta de luz- fossem mantidos.

Após a repercussão negativa para os parlamentares, Alcolumbre reclamou a senadores mais próximos que o Congresso estava levando a culpa sozinho, enquanto o governo saía com a imagem de salvador, ao articular uma MP (medida provisória) para tentar reduzir o impacto no bolso dos brasileiros.

Parlamentares afirmam que Alcolumbre chancelou a inclusão do projeto de decreto legislativo do IOF na pauta da Câmara ao se comprometer com a aprovação imediata no Senado.

Motta anunciou a votação que iria derrubar os decretos de Lula em uma rede social, às 23h35 de terça-feira (24), pegando até membros da oposição de surpresa e contrariando seu discurso de que haveria previsibilidade na condução da presidência da Câmara.

Além de não ter avisado com antecedência, também não atendeu a pedidos de conversas feitos por parte de líderes partidários, da articuladora política do governo, a ministra Gleisi Hoffmann (PT), e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT).

A derrota de Lula na Câmara contou com adesão quase total de União Brasil, PP, Republicanos e MDB, além da maior parte de PSD, PDT e PSB. Ao todo, essas siglas controlam 14 ministérios. Foram 383 votos para derrubar o decreto do presidente e 98 contrários.

Alcolumbre pautou a derrubada dos decretos de Lula sobre o IOF minutos após a decisão da Câmara, sob protestos do governo de que estaria quebrando acordo anterior. A aprovação ocorreu de forma simbólica, ou seja, sem registro nominal dos votos.

Lula deve conversar com os dois presidentes do Legislativo, de acordo com interlocutores. A intenção foi verbalizada pelo líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), durante a votação. Alcolumbre apenas ouviu na hora, mas encerrou a sessão dizendo que a “demonstração” dada pelo Congresso vinha dos mesmos que ajudam o governo há dois anos e meio -o que foi visto como um gesto conciliador.

No centrão, o discurso é o de que o cronograma da liberação de emendas parlamentares está bastante atrasado e tem colocado prefeituras pelo país em situação de colapso. Isso mesmo com o governo tendo dobrando em apenas um dia o montante liberadas no ano -de R$ 898 mi para R$ 1,72 bi nesta terça.

Pela primeira vez, governistas falaram abertamente em tom crítico a Motta, deputado com quem vinham tendo uma espécie de lua de mel desde a sua eleição para o comando da Câmara, em fevereiro.

O líder da bancada do PT, Lindbergh Farias (RJ), disse que a atitude de Motta foi um “erro grave” e uma “provocação infantil”.

Líderes de partido da base de Lula também disseram ter considerado que Motta errou na condução do caso. Principalmente ao não avisar com antecedência à ministra da articulação de Lula -Gleisi foi uma das primeiras petistas a manifestar apoio à candidatura de Motta à presidência da Câmara, em 2024.

Um deles lembrou que o ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), antecessor de Motta, apesar de ser duro com o governo, ao menos informava integrantes do Palácio do Planalto sobre suas decisões.

Governistas afirmaram ainda à reportagem enxergar influência do senador Ciro Nogueira (PP-PI), presidente do PP e ex-ministro da Casa Civil no governo Jair Bolsonaro, nas decisões de Motta.

Motta relatou a líderes aliados o sentimento de que o governo quer desgastar o Congresso, citando falas de integrantes do Executivo de que o Legislativo seria gastador e de notas publicadas na imprensa.

Outra queixa do centrão é a de que o governo ainda não honrou o compromisso de pagar emendas de anos anteriores, travadas por decisão judicial, e que estimularia o ministro Flávio Dino, do STF, a avançar com julgamentos para retirar poder do Congresso sobre os recursos do Orçamento.

Dino agendou para sexta-feira (27) uma audiência pública sobre a impositividade (pagamento obrigatório) das emendas parlamentares. O ministro pretende julgar uma ação do PSOL que questiona essa obrigação, e convidou uma série de palestrantes com viés crítico a esse mecanismo.

Motta e Alcolumbre irão pessoalmente ao STF para defenderem as emendas, num recado de que não aceitarão passivamente novas decisões.