BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O tenente-coronel Mauro Cid afirmou à Polícia Federal que advogados ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tentaram convencer seus familiares a trocar a defesa do militar durante a investigação sobre a trama golpista de 2022.
Segundo o militar, a ofensiva teria sido realizada pelos advogados Fabio Wajngarten, Paulo Cunha Bueno e Luiz Eduardo Kuntz a partir de agosto de 2023.
“Em uma das ligações com a esposa do declarante, Fabio Wajngarten tentou convencê-la a trocar os advogados que defendiam o declarante; que Fabio Wajngarten realizou várias ligações para a esposa do declarante”, diz o termo de depoimento de Cid.
As datas das conversas dos advogados com familiares de Cid coincidem com o momento em que o tenente-coronel fechou o acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal. O termo de colaboração foi assinado em 28 de agosto de 2023 -dia também do primeiro depoimento de Mauro Cid aos investigadores.
Em seu depoimento à PF, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro disse que não era próximo de Luiz Eduardo Kuntz -advogado do réu Marcelo Câmara. Cid afirmou que eles se conheceram no primeiro semestre de 2023.
Mauro Cid disse aos investigadores que, após sua prisão em maio de 2023, Kuntz e Wajngarten começaram a fazer constantes tentativas de contato com sua esposa Gabriela Ribeiro Cid e com uma de suas filhas menores de idade.
“Que ao analisar o telefone celular de sua filha, identificou que os advogados Luiz Eduardo de Almeida Santos Kuntz e Fabio Wajngarten estavam mantendo contato constante com sua filha menor, por meio dos aplicativos WhatsApp e Instagram, de agosto de 2023 até o primeiro de 2024”, diz trecho do termo de depoimento.
Segundo o militar, ele só percebeu que os dois advogados tentavam se aproximar de sua filha quando analisou o celular dela. “Luiz Eduardo de Almeida Santos Kuntz utilizou como artifício para se aproximar de sua filha assuntos relacionados à atividade de hipismo”, pelo fato de ela ser atleta de tal modalidade, afirmou ele.
O mesmo ocorreu com a mãe do militar. O tenente-coronel conta que Kuntz abordou Agnes Cid pelo menos três vezes na Sociedade Hípica Paulista, em São Paulo (SP). Em uma dessas abordagens, o advogado Paulo Cunha Bueno -atual advogado de Bolsonaro- estava presente.
A mãe de Cid diz que, nas conversas, os advogados “se colocaram à disposição para atuar defesa do declarante”.
O militar afirmou à Polícia Federal que viu nas abordagens e no teor das conversas que os advogados Kuntz e Wajngarten tentaram “obter informações do acordo de colaboração firmado pelo declarante, como forma de interferir nas investigações em andamento”.
Com base nas declarações de Cid e dos familiares do militar, a defesa do tenente-coronel pediu à PF que investigue os advogados Luiz Eduardo Kuntz e Fabio Wanjgarten sobre possível tentativa de obstrução de investigação.
Apesar dos relatos sobre Paulo Bueno, a defesa de Cid não incluiu o advogado de Bolsonaro na investigação.
O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou na quinta-feira (25) que os três advogados sejam ouvidos pela Polícia Federal sobre as suspeitas levantadas por Mauro Cid.
Kuntz afirmou à reportagem que “dada a indevida interpretação da minha atividade profissional, irei me manifestar nos autos, inclusive para preservar a menor”. “Destaco, apenas, que tais documentos são muito importantes para reforçar que a prisão do meu cliente (Cel Marcelo Câmara) é desnecessária e, consequentemente, ilegal”, disse.
Wajngarten escreveu no X (ex-Twitter) que recebeu com tranquilidade a notícia de que terá de prestar depoimento à Polícia Federal. “A criminalização da advocacia é a cortina de fumaça para tentar ocultar a expressa falta de voluntariedade do réu delator Mauro Cid e a consequente nulidade da colaboração”, completou.
Procurado, Paulo Bueno não se manifestou.
No depoimento à PF, o tenente-coronel voltou a negar que tenha utilizado uma conta no Instagram para conversar com o advogado Kuntz sobre sua delação premiada.
O diálogo supostamente trocado pelos dois foi apresentado por Kuntz ao STF na última semana. O advogado mostrou uma foto de Cid, gravações de voz e mensagens de texto trocadas entre os perfis do Instagram.
Documentos enviados pela Meta mostram que o perfil suspeito, @gabrielar702, está vinculado ao email de Mauro Cid.
O militar disse à PF que suspeita que as trocas de mensagens tenham sido forjadas.
“Indagado sobre como o advogado Luiz Eduardo de Almeida Santos Kuntz teria obtido áudios e foto do declarante, respondeu que acredita que alguém teria gravado o declarante, sem sua ciência e autorização, e repassado os áudios para o advogado Luiz Eduardo de Almeida Santos Kuntz”, disse Cid, segundo o termo de depoimento.
“Que um dos áudios divulgados pela revista Veja, ouvido pela declarante, está editado e recortado; que em relação a foto, acredita que tenha sido algum arquivo vazado e que foi usado para compor a imagem apresentada pelo advogado Luiz Eduardo de Almeida Santos Kuntz”, completou.
A suspeita da defesa de Cid é que alguém que o visitou tenha gravado a conversa na sala da casa do militar. Os advogados simularam a gravação nos últimos dias. A expectativa é que a Polícia Federal consiga responder às suspeitas antes do julgamento dos réus da trama golpista.