BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Prefeitura de Praia Grande (SC), a cidade onde ocorreu o acidente com um balão no sábado (21), resultando na morte de oito passageiros, admitiu que não realiza nenhum tipo de fiscalização sobre essas atividades.
A afirmação foi repassada pela própria prefeitura ao Ministério do Turismo, no dia 6 de junho, por meio de um ofício que lista uma série de falhas regulatórias e operacionais que comprometem a atividade na cidade e em todo o país.
A Folha de S.Paulo teve acesso ao documento. Ao detalhar a situação à Secretaria Nacional de Políticas de Turismo do ministério, a prefeitura afirma que a fiscalização municipal é “inexistente: atualmente, não há fiscalização municipal desta atividade”.
A carta assinada pela Secretaria Municipal de Turismo também diz que a “lacuna regulatória ou autorregulação para o balonismo comercial resulta em incertezas jurídicas, dificultando a operação segura e eficiente”.
“O vácuo normativo pode comprometer a segurança operacional, a fiscalização, a formalização das empresas e a garantia de direitos aos consumidores”, afirmou a prefeitura, 15 dias antes do acidente.
A carência de fiscais e técnicos da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) também é citada pela prefeitura, além da inexistência de um Código Nacional de Atividades Econômicas (Cnae) específico para o balonismo, o que dificulta o enquadramento jurídico das empresas.
A Folha de S.Paulo questionou o Ministério do Turismo, a Anac e a Prefeitura de Praia Grande sobre o assunto e não recebeu resposta até a publicação deste texto.
O ofício também cobra medidas do governo federal para resolver a situação.
“O balonismo comercial no Brasil enfrenta uma série de desafios que limitam seu crescimento e impactam negativamente sua operação. Os balões de ar quente operam comercialmente no Brasil há mais de 30 anos e a lacuna regulatória ou autorregulação para o ‘balonismo comercial’ resulta em incertezas jurídicas, dificultando a operação segura e eficiente dos operadores de balão, bem como o fomento da atividade no Brasil”, diz.
Entre as medidas sugeridas pela prefeitura catarinense está a criação de uma legislação própria para o balonismo comercial, tomando como exemplo o modelo da Turquia, país onde essa prática é extremamente regulada. Outra medida considerada urgente é a definição de um “período de transição regulatória”, que permitiria às empresas atualmente em operação se adaptarem às novas regras, evitando a interrupção das atividades.
Segundo a Anac, não há nenhuma operação de balão certificada pelo órgão para atuar de forma comercial. Apenas quatro empresas chegaram a fazer esse pedido oficialmente, mas nenhum dos processos em análise teve todas as suas etapas concluídas, segundo a agência.
A realidade no país hoje é que empresas prestam serviços de balonismo profissional, mas se amparam em regulamentação mais branda, aplicada apenas a voos esportivos. Há previsão de punições nas esferas civil e criminal por descumprimento das regras, mas, na prática, isso não ocorre.
Hoje, a regulamentação do balonismo é feita de duas formas. No balonismo puramente desportivo, é preciso atender apenas ao que determina a chamada norma 103 do RBAC (Regulamento Brasileiro de Aviação Civil). O texto demanda cadastros do desportista e do balão por associação desportiva credenciada pela agência.
Neste caso, assim como de outros esportes radicais, é considerada de alto risco por sua natureza e características, ocorrendo por conta e risco dos aerodesportistas. Já no balonismo profissional, que é submetido às regras da aviação geral, exige-se certificado de aeronavegabilidade válido, licença do piloto e uma matrícula da aeronave no Registro Aeronáutico Brasileiro.
A certificação só é dada pela Anac quando a empresa atende a todas as exigências e critérios de segurança. A realidade, porém, é que nenhuma empresa do país possui, até hoje, a certificação que ateste o atendimento a todos os critérios.
O piloto Elves de Bem Crescêncio, que comandava o balão que caiu em Praia Grande, tem uma “certidão de cadastro de aerodespostista”, ou seja, um documento para recreação, mas não possui a licença de Piloto de Balão Livre, segundo a Anac, conforme é exigido de quem faz voo comercial tripulado. A defesa diz que ele possui os documentos necessários.
Dados da agência apontam que, atualmente, 173 profissionais do país são habilitados com licenças de Piloto de Balão Livre.
Na segunda-feira (23), o advogado Clovis Rogério Scheffer, que representa Elves, disse em entrevista à Folha de S.Paulo que não acredita no indiciamento do piloto e que considera que ele salvou 12 pessoas que estavam à bordo.
Elves é o principal proprietário da empresa Sobrevoar, que opera há cerca de quatro anos em Praia Grande. Ele já foi ouvido pela Polícia Civil de Santa Catarina, que investiga as causas do acidente.