SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma investigação da revista americana Wired apontou aumento dos casos de emergência médica em centros de detenção para migrantes nos Estados Unidos diante de superlotação e condições precárias.
Em um dos casos descritos, uma enfermeira do centro Aurora ICE, próximo à cidade de Denver, no Colorado, ligou para a emergência em 28 de abril e relatou que uma mulher sob custódia, grávida de quatro meses, sangrava e sentia dores. Quando o atendente perguntou se havia sinais de vida, batimentos cardíacos ou movimentos do bebê, a enfermeira respondeu: “Não temos equipamento para isso”.
Trata-se de apenas um entre vários episódios graves registrados. A Wired obteve, via solicitações de registros públicos, gravações e dados das chamadas de emergência de dez dos maiores centros de detenção imigratória do país. Desde janeiro, essas unidades fizeram quase 400 ligações ao 911 (número de emergência nos EUA), incluindo ao menos 50 por suspeita de problemas cardíacos, 26 por convulsões, 17 por ferimentos na cabeça, 7 por tentativas de suicídio e 6 por denúncias de abuso sexual.
Em ao menos 60% dos centros analisados pela publicação americana, foram reportadas complicações sérias relacionadas a casos de gravidez, tentativas de suicídio ou agressão sexual.
Especialistas ouvidos pela revista dizem que esses números estão subestimados. Equipes de emergência são acionadas apenas nos episódios mais extremos, e muitos outros casos nem sequer são relatados às autoridades médicas.
Em 16 de março, por exemplo, uma mulher que não dominava o inglês e que estava presa na Geórgia ligou para o 911 dizendo “I need help ayuda”, antes de a linha cair. Um funcionário da prisão atendeu o retorno da emergência e disse: “Somos um centro de detenção, e a detenta ligou para o 911. Me desculpe”. Embora a voz da mulher ainda pôde ser ouvida pedindo ajuda ao fundo, nenhuma ambulância foi enviada.
Ainda de acordo com a revista, as instalações do ICE (órgão de imigração dos EUA) estão operando acima da capacidade. As detenções aumentaram mais de 48% desde janeiro, aumentando o número de pessoas detidas para mais de 59 mil um recorde histórico.
Desde que Donald Trump voltou à Presidência, agências têm aumentado as ações de fiscalização e buscas de migrantes em situação irregular. O republicano promete fazer deportações em massa e, em março, invocou a Lei de Inimigos Estrangeiros, que concede ao presidente autoridade para expulsar “inimigos estrangeiros” sem o devido processo legal, em casos de guerra ou invasão.
Stephen Miller, um dos principais assessores de Trump, disse no começo do mês ao canal Fox News que o governo fará esforços para triplicar o número de detenções de imigrantes feitas por agentes do ICE. “Estamos buscando estabelecer uma meta de, no mínimo, 3.000 prisões pelo ICE por dia”, afirmou.
A consequência é a saturação dos centros de detenção americanos, segundo a Wired, no qual emergências se acumulam. Procurados pela revista, o governo Trump e o ICE não se manifestaram.
O centro de detenção Stewart, administrado pela empresa privada CoreCivic, tem sido um dos mais problemáticos. Localizado em uma área isolada, o centro registrou, só nos primeiros quatro meses de 2025, um aumento de mais de três vezes no registro de emergências graves em relação ao mesmo período do ano anterior, apesar de um crescimento do número de detentos de apenas 10%.
Relatos incluem convulsões, traumas na cabeça e problemas cardíacos. Desde 2017, Stewart lidera o número de mortes de pessoas sob custódia entre todos os centros de detenção do país.
Marc Stern, médico e ex-consultor do Departamento de Segurança Interna (DHS, na sigla em inglês), disse à publicação que a localização remota agrava a vulnerabilidade dos detentos. Ele afirma que diferentemente de cidadãos que escolhem onde viver, os imigrantes detidos não têm controle sobre onde serão mantidos e, muitas vezes, são transferidos de áreas urbanas com melhor acesso à saúde para regiões onde o atendimento médico é escasso.
A CoreCivic afirma que suas unidades têm médicos, enfermeiros e profissionais de saúde mental qualificados, mas, segundo organizações que atuam junto às famílias de detentos mencionadas pela Wired, o número de denúncias de superlotação e negligência médica aumentou nas últimas semanas.
Dos 10 centros analisados pela Wired, 6 tiveram um aumento acentuado nas chamadas para o 911 em algum momento de 2025. Em alguns casos, os registros de emergências mais do que triplicaram.