Da Redação
A decisão da Câmara dos Deputados de derrubar o decreto que reajustava o IOF escancarou um dos maiores sinais de fragilidade da base aliada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva desde o início de seu terceiro mandato. Entre os 383 deputados que votaram pela revogação da medida, 241 pertencem a partidos que compõem o próprio governo e controlam ministérios importantes na Esplanada. Isso representa 62,9% dos votos favoráveis à derrubada.
As siglas envolvidas — União Brasil, MDB, PSD, PP, Republicanos, PSB e PDT — ocupam, juntas, 11 pastas ministeriais. Mesmo assim, não entregaram os votos necessários para manter o decreto, evidenciando uma base rachada e um Executivo com dificuldade de exercer liderança sobre seus próprios aliados.
O impacto da votação foi ainda mais evidente quando comparado ao desempenho da oposição tradicional. O PL, principal partido oposicionista, liderou individualmente com 88 votos contrários ao decreto. No entanto, o peso decisivo veio da insubordinação dentro do grupo governista, que superou, com folga, a mobilização dos adversários.
Enquanto isso, partidos claramente alinhados ao Planalto — como PT, PCdoB, PSOL e Rede — votaram de forma unificada para manter o reajuste do IOF, em consonância com a orientação do governo. Ainda assim, essa lealdade ideológica não foi suficiente para conter o avanço da oposição e conter o enfraquecimento da coalizão.
Nos corredores do Congresso, parlamentares relataram falhas graves na articulação política do governo, falta de diálogo estratégico e um cálculo equivocado sobre o grau de autonomia das bancadas aliadas. Até mesmo o Palácio do Planalto admitiu, em caráter reservado, que subestimou a dificuldade de manter a base coesa.
O PSB, que ocupa duas pastas no governo, simbolizou esse desgaste ao mostrar divisões internas e pouco alinhamento com a liderança presidencial. A ausência de punições em votações anteriores, segundo deputados, contribuiu para que o sentimento de independência crescesse entre os aliados.
Outro ponto que pesou foi o perfil conservador de parte das bancadas. União Brasil, Republicanos, PP e PL reúnem diversos deputados com vínculo às forças de segurança e às Forças Armadas, segmentos normalmente avessos a medidas que ampliam a arrecadação tributária — como o caso do IOF.
A derrota já gera movimentações no núcleo do governo. Avalia-se a necessidade de reavaliar a distribuição de cargos, reforçar o monitoramento da base e usar a liberação de emendas como ferramenta de fidelização. O desafio agora é conter a erosão política e recompor a articulação antes das próximas votações importantes, como a reforma tributária e medidas de ajuste fiscal.
O episódio deixa claro que discursos e acordos institucionais não bastam. A governabilidade se constrói no voto — e o governo Lula, por enquanto, ainda não conseguiu garantir que a lealdade declarada se traduza em apoio real no plenário.