SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Amante da natureza e adepta do mochilismo, a publicitária niteroiense Juliana Marins, 26, decidiu realizar mais um sonho: conhecer o vulcão Rinjani, o segundo maior do país e uma das atrações turísticas mais populares da Indonésia, com 3.726 metros de altitude e localizado na ilha de Lombok.
Na mesma região da Ásia, ela já havia conhecido a própria Indonésia, além de Tailândia, Vietnã e Filipinas. Então, contratou a empresa de turismo local Ryan Tour e partiu com outros cinco turistas -dois homens e três mulheres- e o guia Ali Musthofa em direção ao cume do vulcão no Parque Nacional Monte Rinjani. Dentro do monte, a caldeira do vulcão, com mais de 50 quilômetros quadrados, guarda o lago Segara Anak, uma fonte termal natural.
O trajeto até o cume do vulcão pode levar até quatro dias, segundo informações do parque e de agências de montanhismo locais, dependendo da experiência e do preparo físico dos turistas. A brasileira contratou o pacote de três dias, de sexta a domingo.
O drama começou por volta das 19h de sexta em Brasília (5h de sábado, 21, no local). Segundo a família, já no segundo dia de trilha, Juliana teria relatado que estava cansada durante o trajeto, e o guia teria dito para ela descansar enquanto o grupo seguiu caminhando. O guia afirmou às autoridades que teria combinado de reencontrá-la mais à frente da trilha, o que não aconteceu. Sozinha, a brasileira teria caído em um local íngreme, de difícil acesso.
Não há informações de como se deu a queda, mas Juliana foi filmada por um drone de turistas espanhóis em um local com muitas pedras e pouca vegetação no mesmo dia. Ela estava imóvel em uma fresta do terreno, como que descansando.
Para a escalada, são sugeridas botas, jaquetas impermeáveis e lanterna para cabeça. Para quem pretende alcançar o topo do vulcão, o parque aconselha utilizar bastões de caminhada. No entanto, na imagem feita pelo drone, ela estava apenas de calça jeans e uma blusa de manga curta, sem qualquer equipamento contra o frio.
Por causa da altitude e variações de umidade no local, a temperatura durante o trajeto da trilha pode chegar a 4ºC. Nas redes sociais, montanhistas relataram dificuldade para acessar o topo do monte -principalmente devido à poeira, mais forte nos meses de junho e agosto, e ao trajeto escorregadio na subida. Também falam que venta muito forte na região da queda.
Em sua página oficial, o Parque Nacional do Monte Rinjani diz que a HPI (Associação de Guias Licenciados, em português) emite certificação para os guias. Mas avisa que o padrão de certificação e o treinamento exigido para os profissionais locais não são tão rigorosos quanto em outros países. “Acidentes graves, incluindo fatalidades, ocorrem em trilhas no Rinjani conduzidas por esses guias”, completa.
Em um primeiro momento, a família recebeu informações de que ela já teria sido localizada e estaria recebendo agasalhos e alimento. Poucas horas depois, porém, a história teve uma reviravolta. A família afirmou à Folha que Juliana estava sem nenhum tipo de apoio, teria saído do local onde havia sido avistada e ainda estava desaparecida.
Os parentes criticaram também a demora no resgate e as desinformações do governo local, que foram repassadas pela Embaixada do Brasil à família. Por isso, passaram a ser informados por uma equipe de resgate local, formada por alpinistas voluntários, além de turistas que se encontravam no vulcão.
A operação de resgate começou apenas no sábado, às 17h de Brasília (3h de domingo, 22, na Indonésia). A irmã dela, Mariana, reclamou que a equipe de resgate havia levado uma corda de 150 m, mas a brasileira estaria a mais de 300 m da borda, o que inviabilizaria qualquer tipo de resgate.
Após as críticas da família, que criou uma página no Instagram (@resgatejulianamarins) para atualizar sobre o desaparecimento, as equipes de busca foram reforçadas. Os governos da Indonésia e do Brasil se mobilizaram e anunciaram ações para tentar salvar a turista e o resgate gerou comoção nas redes sociais. O grupo era formado por 48 profissionais de diversas forças, incluindo dois funcionários da embaixada do Brasil, que se deslocaram da capital Jacarta para lá.
O problema, no entanto, eram as péssimas condições climáticas, com muita neblina que dificultava a busca, além do terreno acidentado. Segundo especialistas, o local é escorregadio, formado principalmente por pedra-pomes, que é rocha vulcânica leve e porosa, proveniente das erupções recentes, que esfarela facilmente.
Apenas na segunda-feira (23), Juliana foi localizada com ajuda de um drone térmico. Ela estava presa em um penhasco rochoso e visualmente imóvel, de acordo com a direção do parque onde fica a trilha. O local era de difícil acesso tanto para alpinistas quanto por helicóptero, e as buscas tiveram de ser paralisadas diversas vezes por conta do tempo ruim.
Na última tentativa, as equipes concentraram os esforços no avanço direto até o ponto onde Juliana havia sido localizada, utilizando técnicas de resgate vertical -sistema de ancoragem com descida controlada por rapel-, apesar dos grandes desafios impostos pelo terreno rochoso e pelas condições climáticas adversas.
Um grupo de sete socorristas conseguiu se aproximar do local, mas, com a chegada da noite, precisou montar um flying camp (acampamento provisório no próprio local da operação, suspenso por cordas). Na página da busca, Mariana Marins informou que a equipe havia chegado a 400 m da borda, mas Juliana estaria a cerca de 650 m.
A página da família divulgou o reinício das buscas às 6h locais de terça (24), 21h de segunda em Brasília, e afirmou que havia três planos de resgate. Dois helicópteros foram colocados de prontidão na ilha de Sumbawa e na capital Jacarta. No entanto, a má condição do clima impossibilitava o uso das aeronaves.
Para evitar a aglomeração de turistas e facilitar o resgate, o parque também anunciou o fechamento da trilha onde ocorreu a queda.
Por volta das 11h de terça (24) em Brasília, a família confirmou que Juliana havia sido encontrada morta.
No início da manhã de quarta-feira (25) no Brasil (noite na Indonésia), o perfil da polícia local publicou a informação de que o corpo de Juliana havia sido retirado do vulcão. Ainda de acordo com a família, a equipe terminou de içar o corpo às 14h45 (horário local, madrugada no Brasil).
Às 15h (horário local) começou o deslocamento da maca com o corpo dela até a entrada do parque. A perspectiva era de que esse trajeto durasse cerca de oito horas até o posto Sembalun, de onde seria levado de helicóptero para o Hospital Bhayangkara Polda NTB, na cidade de Mataram, capital da província de West Nusa Tenggara.
Manoel Marins, pai de Juliana, só soube da morte da filha quando chegou à Indonésia, na noite de terça em Brasília (manhã de quarta no local). Ele estava no trajeto de avião de Portugal para lá quando a morte foi confirmada. Ao chegar, ele a homenageou no Instagram com a frase “Pedaço tirado de mim” sobre uma foto dela e a letra da música “Pedaço de mim”, de Chico Buarque.
Em outra postagem, horas depois, o pai afirmou que Juliana disse que faria o mochilão enquanto ainda era jovem, não quis ajuda financeira da família e viajou com o dinheiro fruto do próprio trabalho.
“E como você estava feliz realizando esse sonho. E como nós ficamos felizes com a sua felicidade. Você se foi fazendo o que mais gostava e isso conforta um pouco o nosso coração”, afirmou Manoel.
A família acusou a equipe de resgate de negligência e afirmou que vai lutar por justiça. A turista esperou quatro dias por socorro. “Se a equipe tivesse chegado até ela dentro do prazo estimado, Juliana ainda estaria viva”, afirmou a família em publicação no perfil Resgate Juliana Martins no Instagram.
A autópsia do corpo de Juliana será feita na noite desta quarta, manhã de quinta-feira (25) na Indonésia. Somente após isso a causa da morte será determinada e o corpo será liberado à família para o retorno ao Brasil.